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Domingo,26 de Outubro

Algemar pode! - por Clídio de Moura Lima

Jornal O Norte
Publicado em 05/09/2008 às 10:50.Atualizado em 15/11/2021 às 07:43.

Clídio de Moura Lima


Advogado e professor universitário



Vamos polemizar o óbvio. Traçar o perfil dos anjos e deles determinar o sexo. São destas discussões ocas de onde nada se extrai. Mas, em se tratando de “alta voz” parece ser importante entrevistar, ouvir ou ler personalidades ou autoridades pretensamente abalizadas no assunto; sem peso jurídico e menos ainda sem eco. Somente em se tratando de menos avisados ouvintes ou leitores a “alta voz” comportará sonoridade.



Noutro dia, quando da prisão de vereadores de nossa urbe, levantei a desnecessidade de algemar um pacato cidadão ou qualquer pessoa alquebrada pelas mazelas da vida. Esta bandeira, como outras tantas de minha lavra, não teve nenhuma repercussão. O Jornal O Norte, paladino da literatura, publicou minha crônica. Nada mais.



Teria o Supremo Guardião da Constituição Federal abeberado minha crônica, “Prisão dos Vereadores”, e editado a Súmula Vinculante nº 11? Não. Obviamente que não. Aqui na nossa cidade não fui entrevistado, não cheguei à imortalidade ingressando na grandiosa Academia Montesclarense de Letras, a que tanto admiro; a mídia não divulgou meus três livros publicados versando sobre poesias, crônicas, artigos jurídicos... não cheguei, sequer, a promover uma defesa jurídica bombástica. Simples mortal que sou. Apenas um anônimo mortal, metido a cidadão... A vida é assim: Grandes são apenas os predestinados. Sem mágoa, sem rancor, tampouco revoltado.



Filio-me à decisão do STF. E a respeito incondicionalmente. Mais além, ainda, admiro-a, enalteço-a e atrevidamente afirmo já era tempo. Demorou. Sim, a Súmula Vinculante nº 11 já deveria a muito ter brotado do Excelso Tribunal. Algemas podem sim, ser usadas. Algemar pode. Dentro da lei, dentro do que é lícito. A Corte Suprema não proibiu o uso de algemas. É proibido o uso de algemas de forma ilícita, com objetivo de ridicularizar e exibir a pessoa como se fosse uma espécie de troféu. Que grande feito: um ancião, velhinho, um cidadão pacato e de conceito social, preso, algemado, escoltado por jovens policiais “armados até os dentes”; e o cidadão que não pode oferecer nenhuma resistência, vai preso algemado, cercado e acompanhado pela mídia: TV, rádio, jornal impresso, etc. É o cortejo da miséria. Tanto pior, quanto melhor! O circo dos pobres.



É a polícia conclamando a população para presenciar o grande feito: uma prisão. Um verdadeiro cortejo num desfile público, sob a orquestra de sirenes agudas encimadas em vários veículos denominados de “viaturas”. O que fica claro, conforme o enunciado da Súmula 11, que o que se evita é o sensacionalismo estimulado pela mídia na cobertura jornalística da prisão de certas pessoas que não são clientes habituais das cadeias públicas e presídios. Ou seja, da justiça criminal. O que o Supremo coibiu com veemência foi o sensacionalismo, tanto para a criminalidade de “colarinho branco”, quanto para a criminalidade “dos pobres”. A mídia não pode e não deve suplantar o direito à intimidade e à imagem do preso. As algemas não devem servir à prisão efetuada com abuso, a prisão-espetáculo. Sem perder de vista a preocupação do STF com a possibilidade de indução de jurados a uma condenação, no Tribunal do Júri.  Nem tampouco perder a preocupação com a colocação de algemas em réus presos nas audiências realizadas no juízo cr


iminal comum. Voltando ao tribunal do júri, composto por leigos, facilmente podem ser influenciados diante do réu algemado: Se está algemado é perigoso; se está algemado é culpado. 



É necessário provar a eficiência da Segurança Pública a este custo? E se a população entender que não se tem segurança pública nenhuma e que o desfile é meramente ocasional, oportunista, exibicionista e etc.etc. As algemas provam o quê? Provam o totalitarismo descomunal. A arrogância e o desrespeito ao cidadão! Complexo de superioridade... “Gritos” ecoaram no átrio do Excelso Pretório: abaixo as algemas. Foi com este objetivo que eclodiram: HC 71.195 (2ª Turma, Rel. Min. Francisco Rezek) j. 25.out.1994; RHC 56.465 (2ª Turma - Rel. Min. Cordeiro Guerra) j. 05.set.1978; HC 89.429 (STJ 1ª Turma – Rel. Min. Carmen Lúcia), j. 28.jun.1986; HC 91.952 (STF Plenário – Rel. Min. Marco Aurélio) j. 07.ago.2008 – votação unânime, anulou-se um julgamento porque o réu estava algemado no Tribunal do Júri. Posto que, dessarte, a Súmula Vinculante nº 11 já vinha sendo almejada. É que toda Súmula Vinculante tem como objetivo evitar decisões conflitantes e, principalmente, dar maior celeridade aos processos sob o mesmo fundamento.



Finalmente e sem maiores digressões porquanto em se tratando de matéria jornalística é desaconselhável estender o assunto, devo finalizar traçando as seguintes considerações: 1º) a experiência do homem comum lhe permite distinguir o que é certo, do que é errado; o que é razoável, do que é exagerado; o que é necessário, do que é desnecessário; o que é mau e perigoso, do que é bom e simples. O homem mau e perigoso, do homem pacato e simples. Deste modo, não há que se levantar bandeiras hostis com críticas ao Supremo Tribunal pela edição da Súmula em apreço e contradizendo dizer que “decisão da Justiça não se discute. Cumpre-se”. Enfim, mesmo, o entendimento e compreensão do verbete da Súmula se faz gramaticalmente sem necessidade de outros meios técnicos de interpretação de norma legal. Vejamos:



“SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – STF SÚMULA VINCULANTE Nº 11



‘Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”.



A Súmula é de clareza solar. Desnecessário se faz algemar quem, por sua condição física, faixa etária e conceito até então de pacato cidadão sem freqüência a delegacias de polícia e à Justiça Criminal, pode ser conduzido preso sem algemas. Sem esquecer que “os homens” são jovens, fortes e estão fortemente armados. A sociedade evolui, embora se saiba que o progresso social é lento. Há tempos, as prisões eram debaixo de porradas, o preso apanhava, era surrado.  Agora, nem mais porradas e nem algemas, salvo o uso de algemas em casos excepcionais. Evolução dos tempos. Afinal, como diz meu dileto amigo prof. Necésío de Morais: “Nós não estamos mais nos tempos de maiores aquelas. Nem por assim dizer para que digamos lá. Mas, em se tratando destas questões de mais, porém, contudo, todavia, no entanto, entretanto, ora, essa é boa!”  A sociedade evolui. Estamos no Estado Democrático de Direito.

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