Antônio Augusto Souto *
Chegou casal de meia idade e ocupou mesa ao lado da minha. Eu comia, sem estar com fome, um desses sanduíches que têm gosto de papel, em qualquer das latitudes. Bebia refrigerante e esperava. Em viagem aérea, leitora, o que mais se faz é esperar, no aeroporto. Mais ou menos assim: se o vôo vai durar, por exemplo, oito horas, você espera outras tantas, ou nove ou dez... Se a viagem é de volta, a melhor opção é ficar no free-shop, olhando os produtos mais tentadores, como perfumes e bebidas. Quando a hora de embarque estiver próxima, compra-se alguma coisa, gastando-se os poucos dólares que sobraram.
O casal usava uniforme da Swissair. Comandante e comissária, foi o que pensei; porque, nos ombros dele, havia mais divisas. Não me ocorreu o contrário, pelas divisas a mais e pelo fato de eu nunca ter sabido de mulher pilotando 747. Conversavam lá entre eles, baixinho e em inglês que eu não decifrava, mais pelo meu despreparo na língua de Shakespeare do que pelo interesse em ouvir conversa alheia. Por que inglês, se eles pertenciam a uma empresa suíça e, aparentemente, eram suíços?
Fazia eu conjecturas, quando ela elevou a voz:
- Lie! lie! lie! - vermelha como um pimentão, dedo em riste, na cara dele.
Claramente, eles brigavam e ela o acusava de mentiroso. Era uma loira alta, até bonita... mas bem rodada. Parecia ter mais horas de vôo que urubu, em época de seca, no sertão do Ceará.
Saíram, ele na frente, passos largos; ela o perseguia, mas em silêncio. Imaginei uma frase idiota: crise em romance aéreo!
Continuei mastigando meu mac horroroso, pensando em como é problemático o relacionamento de homem com mulher. E isso vem da gênese: ela pôs a culpa na cobra, ele culpou a ela... E assim será. Daqui a pouco, no avião ou em terra, ele dirá outras mentiras, como, por exemplo, amo você, você é a única da minha vida, estou arrependido, perdão, não farei de novo... Ela acreditará. No dia seguinte, no ar ou no chão, a história se repete.
* Poeta, escritor, professor e advogado
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