Ajax Tolentino
Advogado e escritor
Ele era a própria encarnação de um daqueles deuses da mitologia que habitam o Monte Olimpo. Digamos que Reivaldo Canela era o deus dos poemas, das crônicas, dos contos, dos sonetos. Escrevia divinamente. Palavras fluíam da sua mente privilegiada, e suas mãos tudo transferiam para o papel com maestria. E, por último, como que já a se despedir de nós, pobres mortais, deixou um livro: O menino pescador.
Fora enviado entre os humanos para incentivar a literatura e, para mim, em especial, ser um mestre. Tive a honra de ter sido lançado por ele como escritor. Incentivou-me na publicação do meu primeiro romance - Amor cigano – e me orientou no segundo, a ser ainda publicado, além de ter-me encaminhado para a publicação de crônicas em jornais.
Com o lançamento de Amor cigano, tornamo-nos de fato irmãos. Mas, desde uns trinta anos atrás já éramos amigos, pois ele, que tinha uma página dominical no O Jornal de Montes Claros, destinada a publicações infantis de estudantes dos grupos escolares, publicou muitas e muitas redações da minha filha, Ana Karenina, então aluna da escola estadual Gonçalves Chaves. E tenha sido, talvez você, a incentivá-la na profissão de jornalista, que é hoje.
Além de escrever, tinha o dom e a paciência de ler o que os outros escreviam. E assim porque ela foi primeiro, fez o adágio: Tal filha, tal pai.
Reivaldo às vezes diziam que você era enigmático, mas isto era para aqueles que não tiveram o privilégio de conhecê-lo mais profundamente. Em seu próprio livro você se descreveu, ora como você mesmo, ora como Menino Pescador, ora como o Nada, ora como Nivaldo. Você nunca foi enigmático, mas tal era o seu brilhantismo como ser humano, que chegava às raias da multiplicação e, aí, confundia aqueles que não conheciam bem a sua enorme capacidade. Era uma mesma pessoa, em todos os momentos, embora visse a vida de vários ângulos. A todos tratava com carinho. Você não era deste mundo, estava apenas passeando por aqui entre nós.
Pessoas especiais como você não morrem, Reivaldo, transformam-se em estrelas e, lá do firmamento, ficam a observar, a iluminar caminhos. E, às vezes, quando necessário, vêm até nós num sopro de brisa, cochicha alguma coisa aos nossos ouvidos, como uma inspiração que chega.
Mas você, Reivaldo, com certeza não se contentará com uma estrela só porque, assim como na terra eram muitos, não será no céu que vai querer ser um. Mesmo porque são muitos os que aqui deixou e que sempre se guiaram pelo seu exemplo, e que nas horas difíceis esperaram uma palavra sua.
Em muitas estrelas estará brilhando. Para cada pessoa querida, uma estrela você será: Shirley, Rosângela, Carlos Frederico, Rosana, Marcos Alexandre e o neto Victor Augusto, que me perdoem os outros, se os não citei.
Todos nós, parentes e amigos, vamos sentir saudades, Reivaldo, ainda que sentindo sua presença amiga num sopro de brisa, no brilho de uma estrela, numa folha levada pelo vento, numa gota de chuva, na natureza em si.
Porque você, amante e defensor da natureza que era, se transformou na própria natureza.
Irmão, o meu abraço.
Eu não o vejo, mas o sinto do meu lado.