*Chico Mendonça
“O mundo gira, a Lusitana roda”, diz o slogan da transportadora paulista. O slogan é antigo, mas o Google informa que a empresa continua rodando. O mundo, por sua vez, nem é preciso consultar, gira cada vez mais rápido, numa velocidade febril. Qual uma centrífuga enlouquecida, vai jogando para o espaço o que parecia eterno, o que era, aos olhos contemporâneos, permanente e, por consequência, referência de segurança. Até 50 anos atrás, por exemplo, os homens alimentavam fé devocional na virgindade das mulheres. Os pais acreditavam em pé chato e botas ortopédicas, os filhos tinham convicção de que a vida seria muito melhor quando pudessem morar sozinhos e uma das certezas mais óbvias até recentemente era de que o telefone servia apenas para telefonar. Sem falar que ovo era péssimo para o colesterol.
A crença ou o desejo de uma ordem homogênea do mundo eliminava qualquer espaço para as diferenças. Estávamos separados de tudo que não fosse humano, de preferência com a tez branca. O planeta era mero palco para nossos pés e sonhávamos estender por todos os seus rincões as dádivas de nossa maior obra, a civilização. Me lembro, ainda criança, na década de 60, de ganhar um joguinho de atirar, cujos alvos eram animais e, não bastasse, entre eles havia um índio! Não era para menos, o general Custer reinava como mocinho nos filmes de faroeste. Desmatamento não preocupava ninguém, cortava-se árvores nas ruas e quintais porque sujavam o chão. Acho que os ambientalistas ainda não tinham chegado ao planeta. Só não éramos todos politicamente incorretos porque não havia nada politicamente incorreto. Os outros é que eram esquisitos.
Primeiro foi a televisão, depois o computador e, vertigem completa, chegou a internet. Tudo isso em pouco mais de 50 anos. Levando-se em conta que a vida existe na Terra há 3,5 bilhões de anos, dos quais o gênero humano só deu a graça 200 mil anos atrás, 50 anos é nada. Mas, nesse curto período, o velho mundo virou de ponta-cabeça. Os outros entraram em nossas casas e as diferenças arrombaram as portas e dinamitaram todas as velhas certezas. Nada mais é homogêneo, nem tem qualquer chance de ser. O sonho de Einstein de achar uma única lei que explicasse todo o universo morreu com ele. A impermanência e as múltiplas possibilidades, ao sabor do acaso, é que regem a vida. E o mais espantoso, depois da perda das referências de outrora, é que somos mais felizes agora!
Não significa que chegamos a lugar algum. Em muitos casos, apenas trocamos velhas crenças por outras novas. O politicamente correto é apenas um exemplo dessa falta de criatividade. Precisamos ainda de gavetas para separar e guardar as coisas do mundo e, mesmo depois da conquista de tanta tecnologia, procuramos incansavelmente teses que nos deem alguma segurança sobre o viver. A realidade não tem culpa, é neutra. O que ainda nos faz sofrer é o olhar velho e cansado sobre ela.
