Manoel Hygino
No dia do primeiro turno das eleições de 2014 no Brasil, soube-se que o ex-presidente do Haiti, Claude “Baby Doc” Duvalier, de 63 anos, falecera em decorrência de ataque cardíaco. Ele governara de 1971 até 1986, e, depois de um exílio de 25 anos na França, regressou à pátria em 2011.
Herdeiro do pai, o ditador François Duvalier, Baby Doc nasceu em Porto Príncipe em 3 de julho de 1951, tornando-se o 41º presidente do país, aos 19 anos. No cargo escapou de atentados e enfrentou dura oposição, natural contra quem se preocupava principalmente com motos de alto custo e carros de luxo. Após 15 anos de palácio, foi posto para fora.
Sair do Haiti foi um grande desafio: nenhum país se dispunha a oferecer-lhe asilo e à esposa Michelle. Retirar o casal se transformou em operação de guerra, por se temer que opositores interceptassem a viagem. Chegando ao aeroporto, com grande atraso, Baby e senhora desceram, alegres, de uma BMW prateada, após se despedirem dos amigos em uma noitada regada a champanhe.
Carlos Taquari observa que o casal embarcou com apenas duas valises, nas quais estava a fabulosa coleção de joias de Michelle. Outros bens – pratarias, louças e tapeçarias – já tinham ido para a Côte D’Azur em avião da Força Aérea do Haiti. Em bancos norte-americanos, suíços e de mais cinco países da Europa, estavam depositados em torno de US$ 400 milhões. Tudo conquistado em apenas três décadas à frente do país mais pobre do continente, onde a grande maioria da população lutava para não morrer de fome.
Longe da América, não foi suave a vida do casal, até porque os dois irmãos de Michelle tinham de arrumar moças, trazidas do Haiti, para “distrair” o esposo, já envolvido em problemas com o fisco. Depois de muito ameaçar o marido, a ex-primeira-dama mudou-se para Paris com um amante e grande parte do dinheiro.
Dos US$ 6 milhões da dupla Baby-Michelle, restavam US$ 350 mil. O ex-poderoso caíra em desgraça, teve de alugar um pequeno apartamento que deixou de pagar, suas pequenas despesas passaram a ser cobertas pelas irmãs residentes em Miami. Um expressivo saldo em banco suíço foi transferido ao governo haitiano, mas o ex-mandatário pareceu não estar em dificuldade financeira ao voltar ao Haiti com uma nova mulher.
A aventura terminou. Cerca de 30 mil pessoas perderam a vida nos 15 anos de Baby, presidente vitalício, vítimas dos agentes de repressão, das forças armadas ou dos terríveis Tonton Macoutes. Era o fim de uma época de violência, esbanjamento do dinheiro do povo sofrido. Baby não tinha vocação, nem interesse pela administração, largou tudo nas mãos de exploradores, corruptos, negocistas de toda espécie.
A própria mãe de Baby se tornou amante de um mafioso, Cambrone, que montou um banco de sangue para comprar o produto dos doadores a preços vis e vendê-lo a valores altos no mercado externo. Um escândalo internacional.
Enquanto isso, o Haiti, no dizer de Vargas Llosa, permaneceu miserável: “o país mais atrasado do hemisfério ocidental – que piora sem trégua, afundando sua gente infeliz cada vez mais num inferno de fome, desemprego, violência e desespero”.