A tartaruga e Ruga o jacaré Reré - por Antônio Augusto Souto

Jornal O Norte
Publicado em 16/11/2007 às 20:16.Atualizado em 15/11/2021 às 08:23.

Antônio Augusto Souto



Era uma vez uma tartaruga de oitenta e quatro anos chamada Ruga. Familiares e amigos a chamavam, carinhosamente, de Ruguinha. Era ainda jovem, pois os quelônios podem viver até trezentos anos.



Uma bela tarde, Ruguinha nadava, feliz da vida, no rio onde nascera e vivia. Nisso, deu-lhe vontade de sair e descansar, um pouquinho, na areia da margem.



Saiu e começou a caminhar, com a elegância possível a uma tartaruga de oitenta e quatro anos, pela areia ainda quente.



Nisso, inesperadamente e não se sabe de onde, surge, bem na sua frente, jacaré de aparentes dezoito anos. Chamava-se Reré Júnior  Rezinho ou Juninho, para os íntimos. Estava tão próximo que Ruguinha chegou a sentir-lhe o hálito cheirando a alguma coisa como capim queimado. Assustada, retraiu a cabeça para o casco e ficou meio tonta, o coraçãozinho disparado.



Quando conseguiu controlar-se, pôs a cabeça para fora. Reré estava colado nela, olhos no fundo dos olhos. Já ia recolhendo-se ao casco, mas ele pediu, com a voz rouca e doce característica dos jacarés de qualquer idade:



- Por favor, baby, espere! I love you!



Reré usou a língua preferida dos jacarés cujo hálito recende a capim queimado. E continuou, jogando o jogo dos saúrios:



- Estou loucamente apaixonado por você, baby! Quero você! Quero casar. Você é a criatura mais linda que meus olhos já viram  disse, dramaticamente, parodiando aquela canção brega.



- Mas você não enxerga que sou tartaruga, da família dos quelônios, e você é jacaré, da família dos saúrios? De mais a mais, tenho oitenta e quatro anos, enquanto você tem apenas dezoito!



- Não me venha com preconceitos, baby! Volte aqui, amanhã, às oito horas. Vou apresentá-la à minha família e oficializar logo o noivado.



- Não virei!



- Virá, sim!



Ruguinha faz meia-volta e cai no rio. Reré ficou mais um pouco na areia, sorrindo, expondo todos os dentes que um jacaré pode ter.



A noite da tartaruga foi horrível, Não pregou olhos: vou-não-vou, vou-não-vou... Virou na água o tempo todo.



Na manhã seguinte, às sete horas, ela já estava na areia, esperando pelo  jacarezinho das oito.



Como é costume de todo jacaré de hálito de capim queimado, Juninho chegou às nove e meia:



- Eu sabia que você estaria aqui, baby! I love You! Vamos, agora, conhecer minha família!



Na toca dos jacarés, havia mais de vinte, todos olhando para Ruguinha, que ficou emocionada com a recepção.



- Agora, diante dos meus, o beijo de noivado!



Ela fechou os olhinhos, esticou o quanto pôdc o pescoço, entreabriu os lábios, coradinha, com os hormônios todos em ebulição...



Reré escancarou a bocarra e crau! Os outros jacarés voaram para cima dela: crau, crau, crau!



- Comeram ela, vô?



Com o casco e tudo.



Moral desta estorinha: tartaruga de qualquer idade que vai na conversa de jacaré de qualquer idade entra pelo cano e vira sopa.



P.S. Esta tentativa de fábula é recriação,  para Silvinha, Ana Luísa, André e Rodrigo  os netos, de texto antigo, possivelmente de Clarice Lispector e publicado, nos anos 60, na revista Senhor.

Compartilhar
Logotipo O NorteLogotipo O Norte
E-MAIL:jornalismo@onorte.net
ENDEREÇO:Rua Justino CâmaraCentro - Montes Claros - MGCEP: 39400-010
O Norte© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por