Eduardo Lima
A obesidade é o pavor do tempo. A medicina atribui ao excesso de peso inúmeras doenças, sendo mais graves as de coração. Além delas, há as lesões posturais, diabetes, apnéia e mais - todas cientificamente atribuídas, na origem, ao peso excessivo. Sem contar o preconceito, que se inicia na cinicamente correta idéia de que gordinhos são simpáticos, engraçados e não raras vezes, bonitinhos.
Estudo apresentado na Conferência de Bio Science, em Glasgow, na Escócia, informa que outra atividade funcional humana atingida diretamente pela obesidade é a memória; quem é gordo tende a ser mais esquecido - outra para os pobres gordinhos simpáticos. É que o organismo dos gordos gasta em tarefa inoportuna um hormônio chamado leptina. Essa leptina é lixo no corpo dos obesos, mas clinicamente ignorada; ela é que controla o ímpeto de comer. Quem a desobedece engorda e, portanto, todo glutão é burlador de leptina. E gordo.
O hormônio tem grande influência no aprendizado e na memória e age numa região do cérebro chamada hipocampo. Ele é que nos avisa sobre a hora do almoço - no caso dos que com ele convivem bem, já que com os gordos a relação é de perigosa cumplicidade - e a todo instante há avisos de fome. Daí o pobre organismo deita-se em desejos, incontrolável e burro.
Estar gordo pode ser também uma disfunção hormonal, mais uma, já que a tireóide e a hipófise são, neste particular, vilãs das medidas exemplares. Certo é que a cada descoberta o planeta engorda. A cada nova teoria alguém detona um sanduíche farto; hambúrguer, maionese, bacon, molhos e delícias, tudo sem culpa, numa ciranda de hábitos (maus).
Não há como evitar os espasmos de leptina num mundo assim tão saboroso. Não há como controlar o apetite nesse caleidoscópio de fast food. Por mim, cuja tendência a engordar é fruto apenas da idade e do descaso não hormonal, por mim eu vou domando a leptina com severidade, como um peão monta um touro manso. O tal hormônio em mim funciona ao contrário, não afetando, mas atiçando a memória.
Tenho surtos constantes de cheiro. Cheiro de fogão, panela e sarau. Cheiro de bolo, cheiro de cozidos, arroz com alho, bife, refogados e bacalhau. Cheiro de moqueca com dendê. Cheiro de ossobuco e vinho tinto. Cheiro de chás e tardes. Cheiros que nos ativam a saudade e provocam fome. Uma fome leve e santa. Difícil, creio montado no equilíbrio, difícil é um esganado controlar-se diante de tanto experimento, sabores novos e mentiras sobre a inocência dos pratos.
Daí o organismo sábio afetar-lhe a memória em nome da leptina. Já eu, assim tão acomodado à monta mansa, nada sei sobre o desafio de montar um turrão e, provavelmente, permanecerei magrelo. Mesmo que a barriga seja já uma barriguinha proeminente, fruto das líquidas aventuras de fim de dia e do discreto excesso de misturas com cebola e chapa quente.