Márcio Adriano Moraes
Professor de Português e Literatura
marcioadrianomoraes@yahoo.com.br
A filha mais velha abandonou o curso de medicina uma semana depois. Um forte remorso a dominou quando entrou na sala de experimentos. O caçulinha passou dias de cama após comer o leitão assado. Seu corpo foi dominado por dores e sensações estranhas, algo não humano, animalesco? Não, o homem, ou melhor, mulher e homem são animais. Um jejum permanente, nada de seres vivos no cardápio a partir de então.
Ressurge com toda a sua graça rósea o porquinho reivindicando o julgamento de seu assassinato. O porquinho, agora, não grunhia e também não se esbaldava em lambujens. Sério e com toda a autoridade condenou aqueles que o mataram. Desejava a morte dos mesmos? Não, o porquinho não era assassino como o leão, hiena, onça, gavião, cobra, tamanduá, homem, bichos que tiram a vida de outros bichos. A dor sentida por uma pequena zebra, quando as presas de um felino ferem sua carne, é muito maior que a de um dardo certeiro. O porquinho sabia muito bem da sua sina, conhecia seu lugar na cadeia alimentar, mas não era dessa estirpe carnívora. Em sua boca milho, arroz, abóbora, cereal com bastante água.
As folhas de uma figueira balançaram ao toque do vento e, no chão, caíram desesperados figos que se desprendiam de sua genitora. O talo rompido não gritou de dor, mas o silêncio da queda ensurdeceu o reino vegetal. E como a sensibilidade do pequeno artiodátilo não ruminante estava, neste instante, muito bem aguçada, percebeu que a morte dos seres vivos era mais dominadora que a vida. O zunido de uma motosserra lançava abaixo um velho carvalho de anos. Sua madeira transformar-se-á em um belo ataúde com inscrições douradas.
Na pocilga da casa onde morou, o porquinho reviu seus companheiros inconscientes com a cara na lavagem. Um deles estava deitado no canto com feridas pelo corpo. O porquinho julgava-se vivo, real, ressuscitado, mas, na verdade, ninguém o via, nem mesmo os seus amigos. Mas no seu íntimo, sentia as dores do seu amigo agonizante que estava com uma peste ou, quem sabe, com uma gripe. Aproxima-se o suinocultor com um instrumento na mão, e, imediatamente, o porquinho sente ódio ao ver o humano cruel. Porém, aquele senhor abraça o porco doente, leva-o para uma mesa e começa a cuidar de suas feridas. Em poucos dias o porco já estava bem e convivendo com os outros no chiqueiro. Nem tudo que o homem faz é mal, pensou o porquinho. Um tigre não teria pena do seu amigo. Feliz da racionalidade humana! Sorri o porquinho e juiz próprio de sua causa volta ao além-túmulo.
A filha mais velha sente uma nova vocação: veterinária; e mais uma vez passa no vestibular. O pai todo eufórico clama: “vamos fazer uma salada!” Em cima da mesa uma bela salada de tomates, alfaces, palmitos, cenouras, vagens. O caçulinha não quis comer com medo de passar mal novamente. Em sua cabeça latejava a idéia de não se alimentar de nada que fosse vivo. O pai preocupado diz a ele que as árvores, as plantas são diferentes dos animais, elas não tem vontades, não possuem sentidos.
O amor paterno mal sabia que a filosofia aristotélica assim dividiu todos os seres vivos, em plantas (sem capacidade motora ou órgãos sensitivos) e em animais. Porém , não sabia o nosso filósofo que a sensitiva (Mimosa pudica, uma leguminosa) fecha os seus folíolos ao mínimo toque, logo uma planta que possui o quinto sentido...
Reflexivo, sentado num canto, olhando para a beleza das plantas, para os cantos dos pássaros e para todos os outros animais, o garoto faminto segurava uma pedra...