Antônio Augusto Souto
Ano passado, amigo generoso presenteou-me com uma coletânea de sonetos de poetas famosos, de várias épocas e nacionalidades. Recebi o livro, agradeci a gentileza e o depositei na prateleira. Na época, estava envolvido com outras coisas e não me sentia com vontade de ler poesia.
Pois acabo de redescobrir a coletânea e de ler os 150 poemas, todos belíssimos. Como a edição é espanhola, os textos é compreensível foram vertidos para a língua de Cervantes (“Los Mejores Sonetos del Mundo”).
É um senhor desfile de gente famosa: Petrarca, Dante, Camões, Shakespeare... Até um surpreendente Manuel Machado (de quem nunca ouvi falar confesso) se faz presente, com um poema genial. A nota introdutória diz ter ele nascido, em meados do século XIX, na Galícia, a mesma “tierra de ensueño” do meu queridíssimo padre Henrique Munaiz.
Decepcionei-me ao não encontrar qualquer referência ao nosso Olavo Bilac. Na minha opinião, ele foi sonetista impecável. Mas, para atenuar minha decepção, deduzi, por minha conta e risco, que o autor de “Via Láctea” teria sido discriminado, em razão de seu posicionamento político. Coisa muito comum, no ambiente literário da Europa: escritor latino-americano só existe se for comunista. E a dedução me fez sentir conformado: pelas suas convicções políticas, jamais gostei do senhor Olavo Braz Martins dos Guimarães Bilac.
No entanto, alegrei-me ao ver, na coletânea dos melhores sonetos do mundo, o poema “As Pombas”, do maranhense Raimundo Correa, que também escreveu o célebre “Mal Secreto”. Isso mesmo, leitora amante da poesia: aquela obra-prima dos versos “Se se pudesse o espírito que chora / ver através da máscara da face...” lembra-se? Raimundo Correa formava, com Alberto de Oliveira e Olavo Bilac, a chamada “tríade parnasiana”.
O inesperado reencontro com o autor de “Sinfonias” (desta feita em espanhol e ao lado de celebridades mundiais) fez-me lembrar de episódio ocorrido, faz muitos anos, na cidade mineira de Boa Esperança. Quem o relatou para mim, também faz muitos anos, foi o saudoso professor Aloísio Ferreira Pinto.
Belo dia, aparece, na redação do único jornalzinho da cidade serrana, um desses divulgadores de laboratórios farmacêuticos. Apresentou-se como poeta e ofereceu, para publicação, um dos seus sonetos, “As Pombas”. A publicação se fez, com referências elogiosas e na primeira página.
No dia seguinte, o telefone da redação tocou dezenas de vezes. Eram leitores, para censurar, com veemência, o absurdo cometido. Todo mundo sabia que o texto era de Raimundo Correa. O redator ficou puto da vida, com vontade de esganar o cara-de-pau, caso o reencontrasse.
Meses depois, o “poeta” reapareceu na redação, com outro soneto de “sua autoria”, para ser publicado: “Mal Secreto”. Segundo Aloísio Pinto, a recepção foi com socos e pontapés. O cidadão nunca mais retornou à cidade da serra encantada.
P.S. É do meu conhecimento que fato semelhante aconteceu aqui, por volta de 1958 e no jornal Gazeta do Norte. Pessoa importante da cidade fez publicar, como seu, artigo de um certo cardeal italiano. Algum leitor reagiu. Mas tudo acabou bem, porque o “escritor” era conceituado comerciante local. É certo que ele nunca mais voltou a publicar “seus” artigos.