A prática da meditação

Jornal O Norte
07/10/2005 às 10:15.
Atualizado em 15/11/2021 às 08:52




Gustavo Mokusen *




Há alguns anos, a prática de meditação para alunos do Ensino Médio, um colega de profissão me perguntou qual era a finalidade daquela proposta. Como físico, sabia que por trás daquela pergunta estava o paradigma cartesiano de causa e efeito, do lucro e perda, e, naturalmente, que a questão esperava e merecia uma resposta esclarecedora. O que procuro descrever a seguir é uma síntese da justificativa pedagógica que sustenta o projeto de meditação na escola, que desenvolvo desde 2001.




A característica geral do mundo atual é a troca, o acúmulo e a manipulação de muita informação.




Vivemos claramente o mito da Ciência, da velocidade de processamento, da quantidade de conhecimento adquirida. De certa foram, gastamos quase toda nossa energia voltando-se para a análise do mundo exterior e para a extração de informação deste cenário que nos cerca. Ao mesmo tempo, e ironicamente, percebemos que só a detenção desse saber não garante nosso equilíbrio como seres humanos plenos, ou, pelo menos, o bom uso desse conhecimento. Na verdade, insinua-se quase o contrário: como efeito dessa fragmentação excessiva da atenção em milhares de coisas novas, surgem problemas como o stress mental, o vazio existencial frente à enormidade do saber a ser adquirido (e, com isso, a auto-exclusão do processo de educação) e a dificuldade de relacionar os milhões de fragmentos desse mesmo saber. Nessa multiplicidade desconexa, discernir entre o essencial e o acessório é uma qualidade rara.




Nesse cenário complexo nasceu a confusão a que assistimos em plena sala de aula hoje: nosso aluno quase não acredita mais no saber, pelo saber e percebemos uma desmotivação crescente como aprendizado, juntando-se a isso uma incapacidade generalizada de atenção e concentração em seus níveis mais elementares. Não que o aluno não goste de aprender, mas o fato é que ele não consegue mais adequar aos antigos processos de acúmulo de informação fragmentada. Em tais processos, o que se infere é que a capacidade para estabelecer e manter comunicação com o real fica confinada ao nível da idealização cartesiana puramente abstrata, o que não sustenta mais nossa necessidade de encontrar interações com o conhecimento e, principalmente, com a vida que nos cerca. Sem falar da sobrecarga de conteúdos que, de alguma forma, deveria se equilibrada, os processos não relacionais presentes no aluno recebem pouca ou nenhuma atenção, mas não podem mais ser negados, porque interferem efetivamente no aprendizado.




Por outro lado, gastamos muita energia para interagir com esse mundo exterior de estímulos e conhecimentos. Sobra-nos muito pouca energia para desenvolver a nossa perspectiva interior, aqueles elementos que vão ordenar, relacionar e absorver o que nos cerca. E isso gera um profundo e sutil desequilíbrio no processo de aprendizado, exteriorizando-se, por exemplo, como um problema, generalizado em sala de aula, chamando desatenção. Vejamos esse problema mais de perto.




Essa energia de interação sujeito-conhecimento manifesta-se principalmente na forma do vetor atenção, habitualmente orientado apenas para fora do sujeito e em direção ao objeto do conhecimento. Como professores, esperamos que o aluno divida um pouco mais a orientação unilateral desse vetor de forma que ele também se inclua conscientemente no processo de aprendizado, o que evitaria a pura assimilação mecânica de informações. Assim, reclamamos intensivamente a atenção do aluno, mas esquecemos que quase nunca o ensinamos a desenvolvê-la interiormente. Nossa prática de ensino é, quase sempre, voltada apenas para o mundo exterior, o que exclui automaticamente uma grande parcela dos processos internos do sujeito do aprendizado.




Mas a questão é ainda mais profunda: quando tentamos desenvolver a atenção do estudante, a tentativa falha porque ela é estruturalmente contraditória – pedimos a ele que use sua mente para concentrar a própria mente – o que praticamente não surte qualquer efeito.




Tudo indica que necessitamos urgentemente desenvolver e ajustar uma nova via de prática ara resolver esse impasse. Precisamos equilibrar esse gasto enorme de energia com os processos puramente intelectuais e exteriorizados, uma vez que possuímos também uma considerável natureza interior não intelectual que, obviamente, interfere nos processos nacionais do pensamento e, por isso, necessita de desenvolvimento adequado.




Essa via, por necessidade fundamental, deve incluir o corpo físico como âncora dos processos mentais, pois a exclusão do corpo gera desatenção. Assim, quando se tem pouca ou quase nenhuma atenção, é necessário desenvolvê-la a partir de um ponto sólido. O maior erro consiste em tentar desenvolver a atenção por ela mesma, através de recursos puramente mentais – se não a possuímos, como podemos mantê-la e desenvolvê-la?




É possível incluir o corpo com o trabalho mental de forma prática e adequada ao ambiente escolar. O processo que equilibra corpo e mente através do uso consciente de respiração denomina-se, historicamente, meditação. É claro que existem várias técnicas de meditação, cada uma com seus objetivos específicos. Aqui estamos nos referindo àqueles métodos de concentração que auxiliam o desenvolvimento físico e mental equilibrado do ser humano e, por isso, contribuem para uma formação mais saudável do aluno.




Trata-se de exercícios físicos e mentais que podem ser usados para auxiliar professores e alunos na tarefa de aprender e ensinar, um processo testado continuamente há mais de 2.500 anos por inúmeras pessoas, independentemente das suas raças ou crenças. É uma ferramenta que nos torna mais capazes de lidar com os problemas mais freqüentes na vida escolar de hoje, como a falta de atenção e concentração, os desequilíbrios nas relações pessoais e o fenômeno da violência cada vez mais presente. Uma nova abordagem do conhecimento experimental, baseada não apenas nos processos racionais do pensamento, mas também na poderosa linguagem do corpo.




Durante a prática de meditação, podemos experimentar um estado de consciência absolutamente novo: o corpo em profundo relaxamento e a mente desperta das distrações. Embora haja repouso físico semelhante ao estado de sono – metabolismo basal provocado pela respiração lenta e profunda, com, por exemplo, redução dos níveis de cortisol (hormônio associado ao stress) no corpo – o nível de autoconsciência está elevado e a mente está exercitando a atenção sobre sim mesma.




Quando o corpo e mente estão nesse equilíbrio natural, o alinhamento entre atenção, autoconsciência e concentração é inevitável, e podemos comandar o relaxamento da mente e do corpo; podemos organizar nossas ações de forma mais eficiente e, ainda, melhorar nossas relações diárias, fator sempre incluído no processo de prática de meditação em grupo.

 

* Professor de Física e Monge Zen budista


gustavomokusen@yahoo.com.br





Compartilhar
Logotipo O NorteLogotipo O Norte
E-MAIL:jornalismo@onorte.net
ENDEREÇO:Rua Justino CâmaraCentro - Montes Claros - MGCEP: 39400-010
O Norte© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por