Raphael Reys *
Há vinte e cinco anos na corporação, Querêncio se encontrava, por decisão própria, afastado do serviço. Não envergava mais a farda e ausentara-se havia muito do quartel. Os superiores fizeram vista grossa esperando que ele se recuperasse da depressão.
Alcoólatra inveterado, já se encontrava na fase de dormir em porta de boteco. A família o afastou de casa, pois era problemático e um tremendo pega mal.
Há tempos não trocava a roupa. Vestia os farrapos sujos. Os conhecidos, quando o encontravam caído na sarjeta, o apanhavam e o colocavam debaixo de alguma marquise, para que ficasse protegido das intempéries.
Como a esposa recebia o seu soldo, não lhe repassando coisa alguma, não mais pagava as doses que tomava. Havia perdido o controle de tudo, e a família cansada de procurar socorro pra ele.
Amanheceu esticado na porta de um bar. Ao ser chamado, não respondeu. Levaram-no ao pronto socorro e, dado à sua gravidade, foi transferido para hospital militar na capital.
Acometido de delírio alcoólico, informou ao médico que o atendera que há dias não dormia. Tudo fruto da sua imaginação. Recebeu medicação sonorífera e apagou. Três dias após, com o entra e sai de plantonistas e residentes, uma enfermeira estranhou o fato da sua constante imobilidade. Solicitou uma verificação médica e recebeu como resposta que o paciente havia falecido.
A unidade militar de origem enviou uma viatura com sua família para o enterro. Querêncio, vestido de terno barato, deitado em cima de uma pedra de mármore na capela. Como estava cataléptico, permanecera ativa a sua audição, tendo passado a noite a escutar os dois recrutas que o velavam, a jogar palitinhos, bem perto dos seus ouvidos:
- Lona...
- Dois...
- Três do jeito que você vier/image/image.jpg?f=3x2&w=300&q=0.3"right">* Cronista