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A importância do cidadão

Jornal O Norte
Publicado em 08/07/2010 às 10:12.Atualizado em 15/11/2021 às 06:32.

Marcelo Valmor


Professor e articulista político



A recente pressão norte-americana para que o Brasil abandone a mesa de negociações e cerre fileiras com o ocidente contra o Irã, nos chama a atenção para o papel que os EUA andam desempenhando no mundo, a relação do seu Estado com a sociedade yanque e o futuro da economia daquele país.



Nesse sentido, o livro de Tom Holland – Rubicão - torna-se leitura obrigatória nesses tempos. Obrigatória porque Holland busca, a partir da história comparada, aspectos para analisar o papel do Estado norte-americano na geopolítica mundial.



O ponto de partida do autor é o Mundo Antigo, aqui entendido como a Roma Antiga. Para quem não sabe, Roma pertence à chamada Península Itálica, e conviveu, durante boa parte da sua história, com outros povos, notadamente sabinos, volscos, umbros, etc. Mas foi somente com a chegada do povo etrusco, em torno de 800 a.C., que a cidade ganhou ares de grandeza.



O povo etrusco, quando desembarca na Península Itálica, rompe com a tradição gentílica, fortalece o artesanato e o comércio, e eleva a cidade à condição de capital da sua Confederação. Até o ano de 506 a.C. Roma será governada por reis etruscos escolhidos pelos romanos.



Mas a partir desta data, a aproximação da monarquia com os setores populares empurra a elite patrícia (filhos do pai) para um Golpe de Estado. A monarquia cai, é fundada a república, e o senado, antes órgão consultivo, ganha funções executivas. Daí para a expansão foi um passo.



Mas tal expansão não poderia ser feita sem a presença do seu cidadão, ou seja, o pequeno e médio proprietário, já que Roma vivia basicamente da agricultura. Esse cidadão – assidui - tem suas posses protegidas pelo Estado, e numa relação cívica com Roma, se arma em períodos de guerra para defender aquilo que era dele também. Foi dessa forma que o Mundo Antigo começou a conhecer uma das maiores potências de todos os tempos.



As sucessivas guerras de conquista trazem para a cidade uma leva de escravos considerável, e que era renovada sempre a cada nova investida fora dos muros romanos. Como as guerras se tornaram rotina, o assidui é obrigado a abandonar os campos por longos períodos, sendo os mesmos ocupados pela expansão do latifúndio, o seu trabalho substituído pelo braço escravo e a sua conseqüente proletarização. Não restou a esse grupo, senão, o caminho para as cidades, e sua inquietação foi “contida” pela política do pão e circo.



Outro elemento desmotivador para o cidadão romano foi a corrupção observada nos altos escalões do Estado. O butim de guerra quase sempre era dividido entre os generais e a elite patrícia, restando muito pouco para ser distribuído entre aqueles que, de fato, lideravam as frentes de batalha.



Esses dois fatos foram dramáticos para Roma, e, a longo prazo, serviu para embotar o desenvolvimento tecnológico (afinal, o escravo não encontrara motivação para a invenção), e a corrupção desmotivou o cidadão. Algumas tentativas de reforma agrária foram tentadas, sobretudo com os irmãos Graco, na perspectiva de resgatar o assidui, mas todas reprimidas com mão de ferro pela elite patrícia que não conseguia enxergar para além dos seus próprios interesses.



A queda da República e a instituição do Império, já no ano I, não foram suficientes para conter a decadência romana, e as invasões bárbaras, durante séculos, não representou mais do que um detalhe para que toda aquela estrutura viesse a chão.



Dentro de um salto histórico, os Estados Unidos da América foram fundados por rejeitados pela coroa inglesa. Para lá foram, além de protestantes radicais, prostitutas, órfãos, imigrantes de toda sorte, e, compondo a cereja do bolo, alguns empresários que recebiam favores da coroa.



A sua história é mais do que conhecida, daí a nossa desnecessária necessidade em relatá-la. Mas um seu ponto valioso será aqui recuperado. Estamos falando do cidadão norte-americano, ou para usar uma expressão típica daquele país, o branco, protestante e anglo-saxão. É sobre esse elemento que o Estado norte-americano irá se assentar, e será sobre ele, também, que conquistas serão empreendidas. O cinema se fará indústria, a indústria automobilística se agigantará, e o modelo de vida norte americano correrá mundo. A base ideológica de todo esse movimento será a república democrática, e seu fundamento econômico, o liberalismo.



A democracia se apresentará como apanágio a ser exportado, e a competição econômica, referência para aprimorar cada vez mais o modelo sonhado pelos pais fundadores da América. Isso se fará presente em todo o século XX, mas na virada para o XXI, a realidade apontará para um outro caminho.



A democracia dos EUA não convence mais o mundo na medida em que golpes foram apoiados ou estimulados na América Latina; tentativas de soterrar modelos orientais foram denunciadas; ingerências em países soberanos foram duramente criticadas. No campo econômico, a economia norte-americana perde fôlego na medida que os países, não só europeus, mas sobretudos os novos ricos (China, Coréia,) concorrem com produtos de melhor qualidade e preço menor. Até o Brasil desafia o aço norte-americano, com preços e qualidade que nem de longe os yanques podem oferecer. O resultado para isso tudo foi a pressão da sociedade norte-americana para que o Estado intervisse e a protegesse.



O problema da intervenção do Estado na economia é que, assim como a escravidão romana, condena o cidadão norte-americano ao comodismo, erva daninha para o modelo liberal, e que tende, em médio prazo, arrastar todo o país para a caverna da produção tecnológica.



Portanto, não resta aos EUA alternativa senão a de investir em uma melhor formação do seu povo, sob pena de, ao protegê-lo da concorrência internacional, condena-lo, assim como Roma fez com o assidui, a mais pura letargia, mal que tem como sintoma primeiro a estagnação econômica e a falta de motivação para a produção de novas tecnologias.

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