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Sábado,12 de Julho

A humildade de um santo - por Délio Pinheiro

Jornal O Norte
Publicado em 08/02/2007 às 10:05.Atualizado em 15/11/2021 às 07:57.

Délio Pinheiro *



Na semana passada foi revelado por um ex-secretário do Papa João Paulo II, monsenhor Stanislaw Dziwisz, que o pontífice adorara dar sua escapulidas do trono de Pedro e se divertir, como um mero mortal, nos Alpes italianos. As escapadas não teriam cessado nem após o atentado que o Papa sofreu em 1981.



A revelação está no recém lançado livro Testemunho, de autoria do monsenhor. Segundo ele, era preciso enganar a guarda suíça, que faz a segurança do Vaticano. “Partimos às 9 da manhã, no carro do padre Josef, para não despertar as suspeitas nos guardas suíços”, relata Dziwisz. Assim que chegaram à estação de Ovindoli, o Papa “vestia-se como os outros: casaco, gorro, óculos. Ficava na fila como os outros, mas, por segurança, um de nós ficava na frente dele e outro ficava atrás”, contou o ex-secretário. “Pode parecer incrível que ninguém o tenha reconhecido. Mas quem podia imaginar que o Papa poderia ir esquiar assim?”.



Bela pergunta essa. É de conhecimento público que o Papa polonês praticava seu esporte favorito, o esqui. Mas imaginá-lo incógnito como um simples esquiador seria uma tremenda prova da humildade do pontífice, já que o poder do papa, sobretudo na Itália, é imenso. Vale mencionar que bastaria um desejo seu de esquiar em qualquer lugar, para que a pista fosse interditada aos outros seres humanos e o Papa teria a montanha gelada todinha pra si. Acredito até que se ele quisesse esquiar no Pão de Açúcar, as autoridades brasileiras dariam o seu famoso “jeitinho”.



Mas não se pode negar que essa revelação é bastante oportuna, já que surgiu em pleno processo de canonização do Pontífice, e ela pode ser interpretada como uma tentativa de se acelerar esses trâmites. E esse é o tipo de factóide que conta muitos pontos nesse intricado processo.



Deixo pra você julgar conforme seus parâmetros, mas eu, bem no fundo, acredito que isso possa mesmo ter acontecido. Lembro-me de um livro que li chamado “As sandálias do pescador”, onde um Papa fazia seus passeios incógnitos, no meio do povo. E acredito que esse talvez seja o melhor termômetro para se avaliar o sucesso de um pontificado, ou de um governo. Ouvir a voz rouca das ruas, colher um pitaco aqui e outro acolá pode responder à pergunta essencial: Será que estou agradando?



Acho até que o presidente Lula deveria fazer o mesmo. Acordar às 3 da manhã e se dirigir até uma agência da Caixa, a fim de fazer algum dos 18 recadastramentos mensais exigidos. Chegando lá, para sua surpresa, ele já se depararia com uma fila. Veria estupefato que algumas pessoas vivem de vender lugares por lá. Depois, alegando uma dor qualquer, ele pediria para ser atendido em um hospital público e veria o quanto os atendentes são ríspidos e as vagas são raras.



Depois, o presidente Lula, ou qualquer outro governante graúdo, iria a um jogo do Cruzeiro contra o Villa Nova no ridículo estádio de Nova Lima, e veria o quanto a polícia se acha importante, mais até do que os bravos jogadores cruzeirenses, condenados a jogar num gramado que mais parece um pasto. E de lá, aboletado no meio de sete mil espremidos torcedores, em meio a bombas imorais e bordoadas diversas, nosso governante veria o quanto um dos únicos lazeres que o pobre ainda pode aproveitar, está à mercê da violência e da truculência dos homens da lei.



Pensando bem, até que vai ser bom o Papa esportista se tornar santo, pois de lá, do céu azul, ele poderá proteger todos nós. Inclusive fora da esfera esportista. Poderá impedir, por exemplo, que um prefeito sem expressão humilhe um trabalhador na maior cidade do país e que o Bush consiga os 20% solicitados no orçamento para investir na guerra. Pensando melhor ainda, acho que vai ser muito trabalho para um santo só.



* Jornalista


Acesse meu podcast: www.novoslabirintos.podomatic.com

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