A formação autoritária do Norte de Minas

Jornal O Norte
Publicado em 18/05/2010 às 10:34.Atualizado em 15/11/2021 às 06:29.

Marcelo Valmor


Professor e articulista político



Quando a sociedade mineradora entrou em franco processo de decadência, a solução para manter os níveis de arrecadação dos impostos foi substituir o quinto, até então cobrado somente sobre o setor minerador, pelo imposto da capitação. Neste, toda a capitania foi tributada, “pegando” desde mineradores a agricultores.



A reação dessa porção do estado foi questionar o novo modelo, haja vista que o sertão havia sido relegado a um papel de segunda grandeza dentro da colônia quando do ciclo econômico do açúcar. Evidentemente que a resposta de Portugal foi imediata. Sem conseguir efetivar a cobrança por essas plagas, restou o isolamento imposto pelo desvio das mercadorias da rota do rio São Francisco, passando a ser feito pelo Rio de Janeiro.



Esse isolamento fez com que voltássemos para nós mesmos. E distante das normas emanadas do poder central, criássemos uma cultura de forte caráter autoritário. Isso fica expresso em todo um folclore e inúmeras dissertações e teses de doutorado sobre o coronelismo. As nossas ruas mesmo ganham nomes de vários desses personagens. Coronel Antônio dos Anjos, Coronel Joaquim Costa, e vai por aí afora.



As nossas instituições recentes também sofrem, tal qual um espelho, reflexo de toda essa formação. Para ficar em uma delas, trataremos um pouco, aqui, da Universidade Estadual de Montes Claros-Unimontes.



Quando nos anos sessenta um grupo de pioneiras “bateu pernas” e foi buscar na capital mineira formação intelectual, o sonho era de cravar, no sertão norte mineiro, uma unidade de ensino superior. Daí até a criação da Unimontes foi um passo. E um dos gestores dessa nossa universidade que perdurou por mais tempo no poder foi o ex-reitor e atual secretário de saúde, José Geraldo de Freitas Drumond.



Quando falamos da Unimontes, é impossível não chamarmos a atenção para a especificidade que compõe a relação entre a então direção e o governo do estado. O mesmo isolamento que foi observado no início deste artigo pode ser constatada no que diz respeito a presença do estado dentro da nossa universidade.



Quando ainda não haviam eleições e os mandatos eram prorrogados pelo governador de momento, o atual secretário de saúde acumulou doze anos de exercício de reitorado. Não se discute, aqui, se esse papel desempenhado foi de má ou bem valia para a instituição, mas atentarmos para o fato de que acabou criando figuras autoritárias que ainda não conseguem lidar com as diferenças quando essas exigem uma maior participação e discussão das decisões tomadas dentro dos órgãos a que estão submetidos.



Só recentemente, e assim mesmo nas duas gestões do atual reitor, Paulo César Gonçalves de Almeida, é que a instituição está tendo a voz da sua comunidade ouvida pelo poder central. O atual reitor inaugurou o nosso processo democrático com duas eleições. Portanto, e a margem daqueles que não conseguem enxergar nisso um avanço, a democracia da Unimontes precisa reconhecer esse seu papel.



Por isso mesmo, esse encontro histórico entre a gestão do ex-reitor José Geraldo Drumond e a atual, de Paulo César Almeida, guarda uma diferença fundamental para todos nós: o processo democrático avança, lentamente, como tudo nessa vida, mas avança. Por outro lado, nos traz uma constatação: de que o antigo modelo de gestão da Unimontes, pautado na nomeação pura e simples dos seus dirigentes, legou a cidade homens de atitudes fortemente autoritárias e, portanto, despreparados para lidar nesses novos tempos onde as gestões públicas exigem o comportamento tolerante, democrático, e que valorize a participação da comunidade em várias instâncias de decisão pública. O orçamento participativo, a presença cada vez maior de Organizações Não Governamentais-Ongs, a Internet, a forte presença do Ministério Público, a contínua ligação via tecnologia entre os homens abre brechas cada vez maiores para que a informação circule de forma mais segura e amplie os horizontes críticos, possibilitando uma aproximação maior entre gestores e comunidades.



O não reconhecimento desses novos tempos e a permanência da indiferença em relação à participação da maioria nos negócios públicos tende a empurrar, para a vala do esquecimento, homens que já até deram uma parcela de contribuição para o desenvolvimento local, mas que não tiveram espírito democrático para reconhecer a marcha inexorável da história.

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