“Olho por olho e o mundo acabará cego” (Ghandi)
Marcelo Valmor
Professor universitário e articulistas político
A Copa de 1950, isso lá no século passado, guarda uma cena trágica para todos nós: a derrota para a seleção uruguaia em pleno Maracanã.
Digo para todos nós porque aquela geração conseguiu, ao longo de todas essas décadas, perpetuar, no inconsciente coletivo, a idéia de que não merecíamos perde-la. Afinal, tínhamos um time melhor, jogávamos em casa e com o Maracanã lotado.
Sessenta e quatro anos terão se passados até a final da Copa do Mundo de 2014 que ocorrerá em terras nacionais, mais especificamente no próprio Maracanã. E o discurso do “acerto de contas” com a nossa própria história já foi dado. Em declaração ao jornal Folha de São Paulo, no dia 03 de julho, o candidato tucano José Serra vaticinou: “Vamos ser hexa no lugar certo, ou seja, no Maracanã”.
A psicanálise não cura os nossos traumas, não resolve nossas angústias. Ela nos ajuda traze-las para a consciência e não desprendermos energias inúteis para sua solução, nos permitindo utilizar essas mesmas energias para a geração de vida e bem estar, e, ao mesmo tempo nos prevenindo de sua provável recorrência. Mas o discurso do “acerto de contas” perigosamente ganha terreno. Foi assim com a França em pleno século XIX quando, humilhada pela Alemanha na Guerra Franco-Prussiana (1870-1871), alimentou uma vingança que ajudou a conduzir o mundo parta uma das piores guerras da sua história. A Segunda Guerra Mundial acabou por atrasar o processo de unificação européia, e legou ao mundo um clima de desconfiança e medo.
Guardadas as devidas proporções, o clima latente da derrota brasileira em 1950 está sendo, aos poucos, despertado. E se aprendemos um pouco com a psicanálise, esse pouco está no fato de que esse acerto de contas não está diretamente relacionado com o clima da vitória, mas sim com a recuperação da qualidade e da alegria do nosso futebol.
Os nossos traumas encontram-se sob a forma de feridas abertas, e a sua cicatrização vai se dar sob a forma do futebol envolvente, descontraído e alegre.
Nesse sentido, e contrariando os críticos de Freud e do técnico Dunga, só nos resta transformar esses traumas em potência como ensinou o pai da psicanálise, e mirar no exemplo de Dunga, que ao alimentar uma culpa pelos nossos últimos fracassos – a chamada Era Dunga -, nos arrastou para as profundezas incontroláveis do nosso inconsciente.
O Brasil, no campo do futebol, nasce da necessidade do elogio, do reconhecimento. Por isso é preciso avançar para esse “acerto de contas” pensando que ele é com nós mesmos. E o nosso grande desafio numa hipotética final em 2014 que nos inclua, não é com algo concretamente perdido, mas com a necessidade que temos de curar nossas feridas a partir do reencontro com o futebol arte.