Logotipo O Norte
Domingo,21 de Dezembro

A curiosidade que machuca

Eu estava no dentista quando ouvi parte da história. Do outro lado, ao celular, um espanhol desavisado com a língua cheia de espinhos. Não sabia se ia para o consultório odontológico ou para o Pronto-Socorro

Jornal O Norte
Publicado em 25/09/2013 às 09:25.Atualizado em 15/11/2021 às 17:11.

Por Cláudia Gabriel

Eu estava no dentista quando ouvi parte da história. Do outro lado, ao celular, um espanhol desavisado com a língua cheia de espinhos. Não sabia se ia para o consultório odontológico ou para o Pronto-Socorro. O moço tinha acabado de experimentar um pequi e ninguém havia tido a gentileza de explicar a ele como degustar a fruta exótica. Mistura de curiosidade turística e de falta de cuidado do restaurante - e lá estava o sujeito em apuros.

Pior foi a orientação que recebeu: ele deveria usar uma pinça de sobrancelha com uma lente de aumento para localizar cada um dos espinhos e para retirá-los. Fiquei calculando quantas horas o espanhol levaria nessa tarefa e de quantos passeios teria que abrir mão pra tentar “curar” o erro. Não entendo nada disso, mas eu morreria de medo de que o machucado infeccionasse. Minha reação a uma resposta como essa seria chorar de desgosto ou voltar irada ao restaurante pra brigar com o garçom.

Não sei, afinal, o que ele fez porque só ouvi a primeira parte do caso. Mas é claro que fiquei pensando no nosso turista por mais algum tempo. Imagino que ele tenha sentido aquele cheiro doce e forte do pequi ou que tenha gostado do amarelo tropical da fruta... Uma atração súbita por algo que parece tão delicioso, mas que pode ferir... Pra quem não sabe, o alimento deve ser apenas “raspado” com os dentes ou “roído” de leve. O perigo está em morder o caroço e aí liberar todos os espinhos na boca.

Saindo da semente para tudo o que a gente experimenta por aí. Já percebeu que uma curiosidade incontrolável pode levar a uma escolha errada? Principalmente quando se age por impulso. A gente tem até aquela intuição de que não deve provar, mas sempre aparece alguém ou uma voz lá dentro da nossa cabecinha pra aconselhar: “Você deve se arrepender do que faz e não do que deixa de fazer.” Pois é. Só depois de algum tempo e de muitos espinhos, é que a gente vai aprendendo que resistir pode, sim, ser a melhor decisão. E que nem tudo na vida tem que ser digerido com profundidade. Em certas situações, é melhor ficar na superfície para não se machucar com o que está escondido e não deve ser mexido. Estou falando de alma, sem nenhum outro sentido implícito.

Bom, mas o texto está ficando psicológico demais. Então paro por aqui e volto para o espanhol. Espero que o moço tenha conseguido resolver o contratempo com muita paciência pra retirar cada um dos espinhos. Afinal, quem sai em busca do desconhecido sabe que a novidade sempre pode ter duas caras e que não dá pra escapar dos imprevistos.

Compartilhar
E-MAIL:jornalismo@onorte.net
ENDEREÇO:Rua Justino CâmaraCentro - Montes Claros - MGCEP: 39400-010
O Norte© Copyright 2025Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por