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Quarta-Feira,25 de Junho

A conta gotas - por Eduardo Lima

Jornal O Norte
Publicado em 22/03/2007 às 10:17.Atualizado em 15/11/2021 às 08:00.

Eduardo Lima



Neste dia das águas lembrei-me do bispo do Cabrobó, aquele que não morreu de fome quando tentaram mudar de curso o velho Chico e perguntei: se o bispo morresse de fome o rio cessaria a sede? Não. A fome consentida do bispo não encheria de peixes as águas de Ponto Chique. A fome do bispo não poria em São Romão meninos na água e nem por Januária os moleques singrariam o espelho de a lua se embelezar.



O bispo fez bem a parte do bispo, mas os homens de força não ligam para bispos e muitos menos para rios e hoje traem a promessa feita, se esquecem do libelo sacrossanto e anunciam o fim de quedas e corredeiras. E dizem que o rio mudado de rota será salvo e é mentira, pois o rio se salvará se houver dinheiro – e consciência. Os homens de força mentem. Os homens de força vão apenas montar uma arapuca oficial, de nome pomposo e alocar recursos.



Farão estudos demorados e caros e um dia descobrirão que alguém roubou os fundos - o chefe deles vai à beira do rio, de boné, faz um discurso pros barranqueiros e poucos peixes e, daí, vai embora. A fome do bispo vira um capítulo na história e o rio um filete, rumo ao nada, varando as veias de Minas e de mais cinco brasis tristíssimos.



O bispo crédulo aceitou a palavra dos incautos e perdeu uns quilos. O bispo puro é, então, um mero e pálido faquir a serviço de outra falsidade. O bispo não salvou, nem salvará o rio. Os homens de força decidiram e vão beber o rio, secar suas veias, esgotar-lhe o coração. Não há quem ligue para um rio senão um bispo, um poeta e um surubim de sete quilos ou mais. Um mandim e um oficial de gabinete, um picumã e um pescador. Um bagre e uma lavadeira. Um luar e um pôr de sol.



A poucos importa um rio, menos ainda a um departamento de engenheiros, pranchetas e outros meios de faturar. Um rio há de morrer, sempre. Esta é a sina dos rios e o bispo do Cabrobó a tentou mudar. Apareceu na TV, fez cara de santo, vestiu-se de São Francisco enquanto os homens de pompa e terno estufavam o peito e recitavam frases vãs.



Os fazedores da regra, embora veementes, não se importam com nada e menos que os rios se sepultem na solidão dos rios. O compromisso do poder não se firma com águas, valem-lhes a vileza, o desbrio, a desonra. Os rios, pobres dos rios, são apenas um abismo de desesperança.



E quando se derem conta os sedentos, os que devem lutar pelo país e pelo bem do povo, os rios talvez sejam um mero e mal medido copo d’água. Quiçá tão caudalosa - como foram águas de peixes, tarrafeiros, meninos de guelra e bispos - seja a desdita dos novos rios ser torneira. Melancólica torneira, contando gotas; plic, plic, plic...



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