25 anos depois...

Jornal O Norte
24/12/2008 às 10:08.
Atualizado em 15/11/2021 às 07:53

Mirian Cavalcanti Prado

Para Maria Letícia e aqueles que torciam por ela, as vésperas de natal de 1983 ficaram marcadas de maneira especial.A falta que tanto fez a sua presença entre nós, imprescindível nas confraternizações de amigos ocultos, na ceia da meia noite, enfim, o momento difícil conforta-nos saber que foi por uma boa causa.

Depois de muita luta e de ter conquistado o seu espaço na Europa, ela integrou-se às badalações do primeiro mundo. A “Cinderela” que trazia dentro de si, é coisa do passado. Distante dos seus costumes encarna a sua história de princesa com direito a castelo, príncipe, varinha de condão e a realidade a que ostenta, muito além de uma pseuda-carruagem feita de abóbora.

Nos bulevares de Paris é onde mora com a família a metade do ano que passa afastada da Itália, o outro endereço da gloriosa amiga, daquelas que fazem suspirar os leitores de Sheldon.

Conheci Maria Letícia durante um encontro religioso aqui em Montes Claros. Lembro-me bem de termos nos identificado a primeira vista o suficiente para não deixar margens sobre a amizade que dali nascia.

Não tive dúvida de que se tratava de jovem desenvolta cuja experiência era visivelmente maior do que os seus 18 anos pudessem permitir.Ela passou a freqüentar a minha casa e eu a me interessar pelas suas conveniências no alcance das suas pretensões.Extremamente afável e falante e, com 1,80m estatura no quesito corpo, tinha tudo para se consolidar como queria na carreira de modelo. Além desses atributos, dotava-se de outras particularidades indispensáveis para os padrões europeus.Realçada pelo mérito dos seus dotes, rompe os limites, toma a beleza como ingresso e revela o refino da sua vez no podium das passarelas do outro lado do mundo.

Corajosa, afeita a transpor barreira, nada lhe custaria ultrapassar fronteiras e deparar com uma inusitada  realidade. Talvez a ousadia que lhe era peculiar tenha contribuído a sua chegada sem delongas às portas daquele tão esperado dia em que Sairia do Brasil num vôo de São Paulo/Europa dando início à tão sonhada missão.

A sua obsessiva tendência em desfilar modelos, ao que tudo indica, pode ter se saído aos pais prendados em confecções. Vinda do nordeste, certamente num pau- de- arara, a família chega feliz em chão norte-mineiro e sem demora começa a explorar aquele  campo que julga propício e lucrativo.

Maria Letícia sofreu no passado tudo que as personagens Sheldonianas padecem antes de triunfar: a tibieza dos rapazes bonitões, o desdém das colegas imponentes do Colégio Imaculada onde ajudava na faxina em troca da gratuidade dos estudos, sem contar com o descrédito de consultores da moda quando confessava, por exemplo, a pretensão de desfilar modismos nas passarelas de fama.

Completar 19 anos para ela significava o último reduto para que pudesse emplacar os seus ideais. Mas como sabia que a fé é capaz de promover milagres, com ela não foi diferente.Em tempo hábil tudo foi se encaminhando dentro dos conformes.

Junto ao passaporte que traduzia um caminho cheio de expectativa de sucesso, veio a  sensação de vazio entre nós seus amigos. Até a sua ida, foram muitas as comemorações de despedidas.

Cinco... Dez... 25 anos voaram. Com esse fazer brincante, lá se foi um quarto de século. A ausência da companheira emblemática foi sendo amenizada pela esperança de tão logo revê-la, ainda que tardia.

O desfecho desta trajetória veio culminar com a grata surpresa ao visualizar uma longa mensagem no meu e-mail. O estilo refinado e culto dos dizeres da amiga, hoje também escritora, começa por referir o meu endereço como um grande achado da sua vida. Ao silêncio atribuía uma falta irreparável e desnecessária ao nosso convívio. Seguido de agradecimento pela força que nela fortaleci, não esquecia da minha vontade de ver seu sonho concretizado e de ter contribuído sobremaneira para que tudo se fluísse a contento.

Enfim na sua modéstia tão peculiar, fala em belíssimas palavras do seu reconhecimento:  “... A sua dedicação tão amiga é imensurável. A minha separação impreterível se ressalva pelas recomendações de suas preces. Pois, você é alguém com quem pude contar naqueles momentos instáveis da minha vida...”

Mesmo não podendo negar o que o destino já lhe havia conferido, minha amiga confirma o óbvio com restrição. Explica com seu modo simples de sempre que não deu o pulo do gato através dos grandes contratos de publicidade como das empresas de cosméticos ou perfumes que transformaram de verdade suas colegas mais famosas. Com entusiasmo ressalta a intimidade, do seu feliz consórcio e fruto deste: “... Estarei no Rio muito em breve, levando comigo o meu querido esposo Laurent e meu filho Henry gostaria de vê-la e apresentar para você o que melhor aqui conquistei...”.

Em outro parágrafo expressa com simpatia, em rebuscadas palavras, o sentimento muito mais vivo que ainda nutre por mim. Pelo que dela sei, evidencia um sentido inesquecível e duradouro atribuindo-me a uma espécie de sua fada madrinha no cenário dos encantos conquistados. Hoje, depois da obrigação cumprida faz uma mea culpa pelo tempo interrompido dizendo estar muito mais tranqüila e disponível a dedicar toda a atenção da qual se dispõe.

“... Realizei profissionalmente, mas, sinto não ter cumprido ainda a minha missão precisa. Agora mais propicia venho resgatar o contato amistoso que das minhas raízes brotaram. Agradeço a Deus por tê-la colocado no meu caminho; você é uma referência positiva que tenho de amizade. Quero por assim dizer que esses laços existentes entre nós tiveram princípio e, não foi por acaso que você me possibilitou desviar tantas vezes dos caminhos equivocados...”

Obrigada, amiga Maria Letícia pela expressão de gratidão e amizade que no seu íntimo traduz. Que seu exemplo de vida sirva de lição para quem não acredita em sentimento de afetividade conservando no pensamento sempre, o amigo certo.Aliás, orgulho-me quando penso que assisti todos os meus amigos mais queridos tornarem-se de alguma forma realizados, porque o sentimento que julgo se unir ao outro com sinceridade, é aquele que se sente compensado com a conquista do outro.As verdadeiras intenções se caracterizam como sendo de um velho conhecido com quem podemos ser nós mesmos e a quem dedicamos nosso afeto sem restrições, sem expectativa de retorno.

Compartilhar
Logotipo O NorteLogotipo O Norte
E-MAIL:jornalismo@onorte.net
ENDEREÇO:Rua Justino CâmaraCentro - Montes Claros - MGCEP: 39400-010
O Norte© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por