A literatura de cordel tem dois extremos de real importância para a cultura popular montes-clarense: no primeiro plano nós encontramos o saudoso poeta-trovador Cândido Canela (da escola do iluminado Catulo da Paixão Cearense). Canela também fazia a poesia clássica. No segundo plano, deparamos com o experiente cantador de viola, o poeta Téo Azevedo (da escola de Antônio Gonçalves da Silva, conhecido como Patativa de Assaré). Téo Azevedo produz versos e compõe músicas caipiras, valorizando os artistas da terra. Isso quer dizer que a nossa querida cidade de Montes Claros sempre esteve na vanguarda literária dos cordelistas brasileiros. Não obstante a tudo isso, o poeta Cândido Canela deixou publicado, em seus livros, três belíssimos sonetos de sua autoria. Ora, é a poesia clássica na inspiração de matuto sonhador. São três sonetos e todos eles com perfeição na concepção literária e com as normas rígidas da língua portuguesa. Os temas, como não poderiam deixar de ser, versam sobre o homem do campo.
Carro Velho
Quem passa pela estrada do Alvação
Há de ver, sem cambota, sem rodeira,
Um carro velho de focinho ao chão
À sombra da frondosa gameleira.
Quando novo cantou pelo sertão
Subiu lançantes e desceu ladeiras.
Hoje, caduco, de focinho ao chão
Chora triste na voz das cantadeiras.
O teu destino, Carro Velho amigo,
É igual ao meu, e, afinal te digo,
Agora que me foge a mocidade.
Também me curvo à placidez dos anos
À sombra do passado, aos desenganos,
Frondosa gameleira da saudade!...
Luz e Verdade
Quando moço, Senhor meu Deus do Céu
Ó Cristo Redentor, ó Cristo meu,
Da descrença fazia meu troféu
E me julgava um consagrado ateu.
A mocidade me tornava incréu,
Distante da verdade – o nome Teu
Tinha os olhos vendados pelo véu
Da mentira loquaz de um fariseu.
Hoje, no entanto, agora, ó meu Jesus
Meu caminho de trevas se fez luz
Da lâmpada divina das alturas.
u te encontrei, ó meigo Nazareno!
Na pureza do verso doce, ameno,
Nas páginas das Santas Escrituras!
Montes Claros
Tu és a minha vida, meu passado
O meu presente, o meu final futuro,
És o meu berço de flores perfumado
Era viçosa do meu triste muro.
O meu sonho de velho apaixonado,
A noiva eterna a quem amores juro
A glória deste filho desterrado
O céu de estrelas do seu mundo escuro...
É da velhice a minha mocidade,
Meu pensamento a remoer saudade
De tuas plagas que tanto venero...
Eu te confesso, ó terra exuberante,
Que cada hora que passa, cada instante,
Mais eu te adoro, muito mais te quero.