Indicativos do Estado Teológico

Marcelo Valmor Ferreira, professor e jornalista
21/06/2017 às 00:40.
Atualizado em 15/11/2021 às 09:10

Pelo visto, para a prefeitura do Rio de Janeiro a mulata não é a tal. Por decisão do prefeito Marcelo Crivella, o patrocínio do município para as festas momescas de 2018 foi cortado a metade. A crise econômica do estado carioca está servindo de desculpa para deixar o samba mais pobre na passarela, mas o fato é que há muito se discute o financiamento e o destino dessa fortuna gerada por essas festas na Cidade Maravilhosa. Evento globalizado, o grosso dele sempre foi mantido pelo folião abnegado, torcedor da escola e pela venda de espaço no sambódromo nos dias de desfile. Por outro lado, dinheiro da televisão, empresas, entre outras fontes de renda acabam por compor esse reino do samba, da mulata e da grana. Por um lado é preciso concordar com o argumento da Liga das Escolas de Samba sobre o retorno econômico que o carnaval traz para a cidade, mas esquece ela que a presença pública nos festejos vai além dos milhões que destinava. Afinal, a segurança, limpeza pública, transporte e atendimento médico são responsabilidades do município. Portanto, o Rio de Janeiro tem seus motivos para conter despesas, só não deveria ter tomado essa decisão a praticamente seis meses da festa, colocando em risco a qualidade do evento. Nesse momento abre-se um outro flanco de discussão, ou seja, a presença a frente do executivo municipal de um prefeito de orientação evangélica. Marcelo Crivella é mais um componente da surda guerra entre os grupos religiosos do Rio de Janeiro, principalmente a partir da eleição de Leonel Brizola em 1982. Só para relembrar, a ala mais progressista da igreja católica ligada as Comunidades Eclesiais de Base ( CEBS) sempre desenvolveu trabalho social e de caráter evangelizador nas favelas cariocas, bem ao estilo de Nóbrega e os catequizadores portugueses, ou seja, conviviam diretamente com os moradores dessas comunidades, em alguns casos chegando a morar nelas, e na base orientando propostas de forte apelo marxista, sobretudo aquelas vinculadas ao Partido dos Trabalhadores ( PT). A eleição de Marcelo Alencar anos depois ao governo do estado aprofundou essa prática porque, de um modo geral, beneficiava toda a esquerda, reduto de Alencar. Mas essa realidade foi radicalmente alterada com a chegada do evangélico Anthony Garotinho ao poder. Sob seus governos, a instável vida social e econômica das favelas ganhava mais uma guerra, uma disputa pelo controle das consciências, agora longe do tráfico, mas próxima de Deus. Durante as gestões Garotinho, mais de 100 líderes de comunidades treinados pelo catolicismo foram eliminados pela guerra nos morros e sob o olhar indiferentemente do Estado. Paralelo a tudo isso, houve a expansão das igrejas evangélicas nessas regiões. Isso pode ser comprovadas em inúmeras pesquisas realizadas pelo jornalista Caco Barcelos e sistematizadas em livro - Abusados -. Por tudo isso, a base material reclamada na decisão do prefeito Marcelo Crivella, reduzindo a metade o patrocínio do poder público as escolas de samba, é legítima, mas o atropelo de tempo e a realidade religiosa do Rio de Janeiro podem estar transformando o samba carioca em motivo de disputa, e com perdas evidentes para a alegria.
 

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