Não se culpe

12/05/2020 às 01:05.
Atualizado em 27/10/2021 às 03:29

Quem perdeu alguém importante sabe a condição física e mental da hora da revelação. A cabeça cresce, o corpo flutua, numa percepção irreal do mundo. O impacto mataria a pessoa caso ficasse naquela situação por muito tempo, então, para sobreviver, a mente adapta-se à nova circunstância. Acostuma-se com a desgraça que acarretou o extremo penar. Tudo se paralisa, mas o coração e a respiração se aceleram. A natureza manda lutar ou fugir e o sinal chega numa descarga de adrenalina. Caso houver uma providência a ser tomada, poderá resolver. Há quem berre, descabele-se, chore, revolte-se, se jogue na cama e precise de medicamentos. O cair dormindo é uma maneira de fugir da realidade. Assim, manifesta-se a dor pessoal, do sofrimento além do limite, sendo difícil prever a reação numa passagem extrema.

Nas tragédias coletivas, a informação chega derrubando o mundo. Junto ao susto e ao medo, pode haver vontade de se informar ou de fugir dos detalhes. As catástrofes naturais ou humanas impactam, enquanto o choque se alastra de pessoa a pessoa. Julgar, condenar e prender criminosos é uma maneira de castigá-los. Ficarão confinados em espaço exíguo, pensando no prejuízo dado ao outro, para, através da culpa, se redimir e regenerar. Este é o objetivo do aprisionamento. Ao contrário do que se diz, ninguém sabe de si nem do outro, que pode querer ditar norma. Numa situação de morte, adiante, quando quem sobreviveu relaxa e sorri, poderá ouvir cobranças cruéis, lembrando do acontecido. Dispense-as.

Assim também se dá com a enormidade de mortes no Brasil e no mundo pela Covid-19. A primeira vítima fatal assustou, mas, acostumou-se com as outras, tantas, que vêm lotando contêineres. Assim, o pavor vai se diluindo até arrefecer parte da angústia. Os humanos arrumaram uma arma eficaz para suportar a dor: habituar-se. A quantidade de perdas sufoca, assim como a morte por asfixia dada pelo coronavírus. A grande tensão tortura a humanidade, lhe tirando o fôlego e a esperança. Pensar em outros temas ajuda a conseguir sonhar com um amanhã. Assim, caso esteja sofrendo menos com o subir assustador dos números, não se culpe. Contudo, não naturalize o sofrimento alheio. É preciso ter compaixão e respeitar os que padecem.

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