Agosto emudecido

18/08/2020 às 00:01.
Atualizado em 27/10/2021 às 04:18

O vento de agosto assobia pelas ruas da cidade há 18 dias. É hora de os caboclinhos, marujos e catopês trazerem seus sonhos para desfilar num cortejo de devoção e louvores a Nossa Senhora do Rosário, São Benedito e Divino Espírito Santo. Mas as fitas multicoloridas e as cores azul, vermelha e rosa não apareceram. As danças ficaram presas nos corpos dos dançantes e as cantigas e orações travadas em suas gargantas, não entoadas, não lamentadas, após um inútil ano de espera. Não buscaram a bandeira nem levantaram o mastro. Nos rostos anônimos, apenas o suor de medo e de trabalho, porque o suor de prazer não brilha neste sol ventoso de agosto.

O catopê Mestre João Faria, do Segundo Terno de Nossa Senhora do Rosário, do Bairro Camilo Prates, partiu no dia 10 de janeiro de 2018, aos 74 anos, silenciando sua inimitável cadência. Calaram-se antes, personagem e percussão, salvando-os dessa dor muda. Seu neto Yuri Faria Cardoso assumiu seu posto.

Os caboclinhos, representantes dos povos indígenas, da Cacicona Maria do Socorro Pereira Domingos, não vieram com suas penas, arcos e flechas. O choro da viola calou-se, a cantoria ficou entalada e a procissão interrompida.

Os capacetes de fitas coloridas até o chão, penachos de pavão, bordados, espelhos e roupas brancas dos catopês, representantes dos negros, ficaram tristemente guardados. Os instrumentos de percussão dos três ternos de João Pimenta dos Santos, o Mestre Zanza (88 anos em 10/05/2020), Mestre Yuri Faria e Mestre Wanderley Ferreira, estão silentes do seu toque ritmado.

Os marujos, representantes dos portugueses, de Mestre Tim – Iderielton Oliveira da Cruz e Mestre Hermínio Ferreira Pinto, sumiram com suas vestes marítimas azuis e vermelhas, espadas e instrumentos de corda. O desafio das bandeiras azul e vermelha, marca da disputa entre cristãos e mouros, terá de esperar.

Montes Claros, atordoada de silêncio, fala das suas Festas de Agosto, evento cultural-religioso, com folclore anexado e tradição de 181 anos, via internet. O coronavírus mortal, com sua terrificante olimpíada, emudece os tambores e impede a festa de cinco dias, sem abalar a fé desse povo. Após a pandemia, o batuque voltará cadenciado, embalando a devoção com mais fervor.

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