A pandemia e as palavras

19/05/2020 às 00:33.
Atualizado em 27/10/2021 às 03:32

Músicas singelas e versos como “eu ontem tive um sonho/sonhava com você/Beijava a minha boca/Era tão bom” (Maurício Manieri) perderam parte do sentido. Todos, inclusive os jovens, são estimulados ao isolamento social, e mesmo os casados sentem-se presos ao estigma da doença quando aproximam seus corpos. Toquinho perguntava: “Será que no futuro haverá flores? Será que os peixes vão estar no mar?”. Ninguém sabe se haverá futuro. A peste fez-nos criar a ideia de “Feliz ano velho” (Marcelo Rubens Paiva), quando a esperança afrouxa ao vermos morrer mais de 800 brasileiros por dia.

E Emílio Santiago em “Saigon”: “Você anda por aí/Brinca de se entregar/Sonha pra não dormir/E quase sempre/Eu penso em te deixar/E é só você chegar/Pra eu me esquecer de mim”. Outra rotina amorosa deverá surgir. O normal que conhecíamos, acabou. A humanidade deverá recriar nova normalidade, outro jeito de conviver. 

Vander Lee cantava: “Sabe o que eu queria agora, meu bem?/Sair, chegar lá fora e encontrar alguém/Que não me dissesse nada/Não me perguntasse nada também/Que me oferecesse um colo ou um ombro”. Também queremos sair e não podemos. A besta-fera está lá fora com a foice da morte nos esperando. Noutra, Vander Lee disse: “Tô limpando minha casa/Minha cama/Meu quartinho/Tô soprando minha brasa/Minha brisa, meu anjinho!”. Atualmente, é o que podemos fazer, ficar em casa, entendendo que estamos a salvo. O cotidiano e as ações habituais tornaram-se impossíveis. 

Sentimentos de posse (armários cheios de objetos sem serventia), liberdade (você pode, mas não deveria sair), independência (dependemos de entregas em domicílio, caminhoneiros, produção) e autonomia (poucos têm competência para viver pelos seus próprios meios) sofreram asfixia, maneira que se dá a morte pela Covid-19. A vaidade foi esquecida. Alguns não tiram o pijama e nem penteiam os cabelos. Existe uma relativa privacidade dentro do lar, mas o celular denuncia se você está burlando o confinamento. A autossuficiência ameaça acabar. 

Não é preciso saber de todas as notícias sufocantes. Um alheamento parcial poderá ser benéfico. Não nos desesperemos. Façamos algo bom, e quando a mente estiver equilibrada, aprendamos algo útil.

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