Éramos felizes...

09/04/2021 às 00:24.
Atualizado em 05/12/2021 às 04:38

Aí eu me recordei Francisco Petrônio: “Oh, que saudades tenho dos bailes de outrora. Das valsas bem rodadas. De branca e de aurora...”

Estamos vivendo momentos de extremas restrições, como evitar aglomerações, promover o isolamento e seguir todo o protocolo de segurança e higiene em defesa de nós mesmos, já que a Covid-19 está se alastrando e ceifando vidas sem encurtar o sofrimento da humanidade.

E então me ponho a recordar do meu tempo de adolescente, quando à noite minha tias, algumas vizinhas e minha mãe se aglomeravam numa pequena sala de nossa moradia para ouvirem pelo rádio sintonizado na Rádio Nacional, que após o Repórter Esso levava ao ar as novelas: “Jerônimo, o herói do sertão”. E lembro-me também de uma chamada “A Deusa dos Cabelos de Sol”.

Essas mulheres reunidas após um dia exaustivo de trabalho doméstico com alegria se encontravam para buscarem naquele capítulo de novela a motivação para a labuta do dia que viria. Elas pareciam analistas com suas opiniões e sugestões na medida do desenrolar daquele capítulo.

Davam gargalhadas também e, às vezes, brigavam com alguma atriz, cuja ação não correspondia às suas expectativas. Das gargalhadas vinham salpicos de saliva, que certas pessoas lançam ao rir ou falar e rostos eram inundados pelas gotículas. Mas ninguém saía nem clamava por misericórdia. Era alguma trivialidade comum naqueles dias.

Nós, a meninada, estávamos na rua, brincando de esconde-esconde, brincadeiras de roda. Às vezes, no esconde-esconde, saíamos do esconderijo para dar uma espiada e dávamos de frente com o pegador e gritávamos e corríamos e caíamos na poeira (naquele tempo não tinha asfalto não, viu?). Então, levantávamos, sacudíamos a poeira e lá íamos nós. Agora, imaginem poeira e suor!

Mas éramos felizes!

Não tínhamos um chuveiro elétrico! Que importa! Como éramos felizes!

“Já não se dançam mais essas valsas tão lindas. A falta que nos faz que lembranças infindas...”

Aquelas mulheres noveleiras não tinham máquina de lavar, mas nós vestíamos roupas limpíssimas, todas lavadas à mão! Mas irradiávamos felicidade! Penso que isso era o que importava!

Na escola, convivíamos com os colegas, muitos deles se tornaram amigos. E ali estudávamos, brincávamos e brigávamos e corríamos e éramos machucados.

E éramos felizes! Éramos felizes sabem o porquê? Porque Deus nos criou com vocação de movimento, com alegria no ajuntamento e envolvidos no encantamento de vivermos juntos um ao outro.

O mundo está triste! O mundo está enfermo! Temos visto crianças tristes, apagadas, sem brilho nos olhos perdendo aos poucos a alegria de viver. Adultos, jovens e idosos também.

É preciso que se providencie terra, onde as crianças joguem água, façam lama, caiam nela, lambuzem a cara, as mãos e sujem as roupas e se levantem risonhas mandando embora o tédio.

É mister recomeçarmos! E o mais rápido possível criarmos ferramentas para o recomeço, pois o tempo perdido jamais será restaurado. Faz-se necessário, com urgência, desafogar-nos desse tédio, desatrelar-nos desse marasmo que nos foi proposto e que o anuímos para a nossa preservação.

Mas nós estamos fatigados! E queremos, no mínimo, reencontrar-nos a nós mesmos.

“A falta que nos faz lembranças infindas. Evocação divina da lira sonora. 

O baile da saudade dançamos agora. Que saudade da Retreta, Espartilho, Bengala e Palheta...”

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