Rescaldo na Serra do Mel

Mara Narciso - Médica e jornalista
24/09/2019 às 08:51.
Atualizado em 05/09/2021 às 21:54

Todo setembro olho para a Serra do Mel, vejo a sequidão vegetal e me preparo para quando o incêndio, com ares de criminoso, chegar. Havia a polêmica sobre o nome da Serra de Montes Claros ou Serra do Mel. Questionaram se não seria Serra do Melo, já que há o bairro do Melo, mas vi escrito “Mel” num mapa antigo. A Fazenda Montes Claros recebeu esse nome devido à sua serra com pedras brancas de calcário e pouca vegetação. 

Desfeitos os equívocos, lá estava a serra queimando, como se o incêndio devesse bater ponto, ano após ano. A cena, de uma estética vampiresca, fez-me pensar nas nossas perdas irreparáveis. De dia, podia-se ver a fumaça subindo aos céus e, de noite, o vermelho rasgando a escuridão. Com ajuda aérea, o Corpo de Bombeiros mobilizou 50 homens, assim como brigadistas do Instituto Estadual de Florestas (IEF), voluntários do Instituto Grande Sertão e da Organização Vida Verde (Ovive) e 85 militares do 55º BI do Exército.

O grupo, tristemente, vai adquirindo experiência, incêndio após incêndio. Apagar fogo na mata seca exige grande mobilização, sendo alto o consumo de uma preciosidade que não temos, muitos mil litros de água. E lá estavam as chamas, mais altas e mais insistentes, durante cinco dias. Se ficar uma brasinha, as labaredas retornam. 

Angustiada, a população acompanhou o desenrolar do desempenho heroico e o avançar das chamas, contabilizando os prejuízos de todos, desde a inalação de fumaça, até as perdas de vidas animais e vegetais carbonizadas. Fotos de drone, ferramenta importante para decisões estratégicas, surgiram para dar ideia dos 82 hectares queimados e do valor biológico destruído. Quando será possível a educação falar mais alto do que a piromania? 

Tal gesto insano fez-me lembrar da torre repetidora da Rede Globo na região do Pentáurea. Estabeleceu-se a tradição de ninguém ver o último capítulo das novelas, pois a televisão ficava fora do ar. Toda a população era penalizada. A cada folhetim, a loucura se repetia. Ninguém sabe ninguém viu, nem o último capítulo de diversas novelas e nem quem seria o maníaco. A população era privada das emoções finais. 

Mais uma vez, a Serra do Mel ardeu em fogo. A chuva refará parte da vegetação, mas os animais se perderam para sempre.

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