O tabu dos 40 anos

Mara Narciso - Médica e jornalista
O Norte - Montes Claros
04/09/2018 às 06:12.
Atualizado em 10/11/2021 às 02:16

Velho é quem tem dez anos a mais que a gente, dizia Milena, minha mãe, que morreu aos 68 anos. Quando ela chegou perto dos 40 anos, cheia de vida e de planos, comentava que suas tias eram velhas nessa idade, pois, viúvas, vestiam luto, usavam cabelos em coque, abraçavam-se ao missal e passavam de cabeça baixa indo para o único lugar permitido: a igreja. “A vida começa aos 40”, pois Milena, depois que se formou na primeira turma da Faculdade de Medicina do Norte de Minas, hoje Unimontes, aos 40 anos, teria outros 28 de Medicina para trilhar. Com seu trabalho conquistou muitos dos seus sonhos.

Quando Alcides, meu pai, fez 40 anos, todos da casa acompanharam seu drama. Ele ficou choroso, acabrunhado, muito mal com a chegada da velhice. Era uma tristeza sem jeito, como se a morte estivesse logo ali e mais nada pudesse ser feito. Estava enganado, pois muita vida ainda teria, pelo menos em quantidade. Depois de uma longa doença, morreu aos 78 anos.

Uma parenta minha teve uma crise dos 40 anos para lá de original. Tornou-se agressiva e furiosa, parecendo odiar quem era mais jovem do que ela. Isso aconteceu há 37 anos, portanto está quase dobrando a dose.

O mercado de trabalho e de casamento para quem tinha 40 anos era restrito, e não apenas trabalho físico, mas também intelectual. A vida era mais curta. Muitos morriam antes dos 60 anos. Em 2016 o IBGE disse que a expectativa de vida era de 76 anos (72 para homens e 79 para mulheres). Elas procuram se cuidar, ir aos médicos e obedecê-los. Eles fogem dos consultórios e costumam abandonar os tratamentos.

Para alguém de 20, quem tem 30 anos é velho, ainda assim causou estranheza a notícia veiculada inicialmente pelo WhatsApp, e depois na TV, chamando de “velhinha” uma mulher de 42 anos, na década de 1960. Hoje, uma mulher de 80 anos se aborreceria, caso fosse chamada de “velhinha”, palavra pejorativa que indica, além de idade avançada, fragilidade física, mental e incapacidade geral.

Meu avô Petronilho, que morreu aos 89 anos e nove meses, lembrava surpreso que já tinha sido criança, como também não sabia de que morreria, pois não sentia nada. Como de fato, até uns meses antes da sua morte, era absolutamente independente, com conta em banco e responsável único pelas suas compras e pagamentos, fazendo tudo a pé. “Arrumou” uma cirrose hepática sem nunca ter bebido, e morreu alguns meses depois, ficando acamado pouco tempo. Sorte dele.

Mesmo quem chega aos 100 anos, pode não se sentir velho. Por outro lado, essa marca é limite para alguns organismos, que morrem logo depois de completar o centenário. Após os 70 anos, o avançar dos anos costuma ser vangloriado, ainda que a maioria tente ocultar a idade, devido ao preconceito e maltrato ao idoso.

O jovem não fala sobre a velhice, mas despreza quem está nela, como se nunca fosse envelhecer. O país está ficando velho. Respeitar essa etapa de vida, tratando os idosos com consideração, poderá ser útil ao jovem de hoje, pois, abrindo esse caminho, adiante encontrará uma trilha segura para seu próprio caminhar. Não duvide, um dia será a sua vez. A menos que morra cedo.

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