Mulher bip-bip

Mara Narciso
28/05/2019 às 00:56.
Atualizado em 05/09/2021 às 18:51

O celular me desperta às quatro e meia da manhã. Estou diante da máquina para operá-la uma hora depois. Meu turno termina nove horas mais tarde. Minha atenção fica totalmente voltada para a monstra, para que ela não aperte a minha mão. Sou um hiperfoco, obrigada a seguir a programação da minha dona, que me escraviza. Não sou eu que dou o ritmo. A máquina me coordena e me condena. Eu não posso pensar, ela pensa para mim. Tudo é automático e meu único objetivo será colocar tiras nas sandálias. Tenho seis segundos para fazer isso em cada par de chinelos. A produtividade é ordenada pelo lucro. O meu saldo é um salário mínimo e meio ao final de 30 dias. Não posso sentar. Não há intervalo. Meu almoço, no meio do expediente, é de uma hora. Tenho de comer, ir ao banheiro, lavar o rosto, escovar os dentes. Preciso trabalhar, ficar atenta, produzir. Qualquer distração será fatal. O material voa e minhas mãos poderão ser atingidas pela máquina. Não posso me coçar. Concentração integral, e o barulho em volta é alto. Uso 

todo o equipamento de segurança. O supervisor passa toda hora, mas gasta pouco tempo comigo. A máquina é a minha principal supervisora, e a opressão que exerce sobre mim me esmaga. Os músculos das minhas costas ficam retesados o tempo todo. Não tenho como relaxar. Sinto dores em todo o corpo. Mesmo almoçando rápido, compenso comendo muito. Em um ano e meio ganhei 25 kg. Meço 1,59 m e pesava 70 kg. Estou obesa, com 95 kg. Não consigo respirar livremente, puxo o ar como num suspiro. O micro-ônibus da empresa me transporta. Gostaria de andar a pé, mas não tenho tempo.

Chego em casa exausta, suada, mal-cheirosa. A calça preta e a camiseta da empresa formam um uniforme horrível que não transpira, que se cola em mim, me dando um cheiro azedo. Depois do serviço puxado na fábrica, pego meu filho de sete anos na casa de mamãe. Nem tomo banho e vou arrumar a casa em uma hora, pois tenho de buscar a filha de oito anos na escola. Uma estuda à tarde e o outro de manhã. Meu marido trabalha o dia todo. Após arrumar a casa, faço o jantar que será o almoço dele amanhã. Vejo o banho e a tarefa dos filhos e só então tomo meu banho. Quando meu marido chega, saio para a faculdade e só volto às 23 horas. Faço o 2º período de administração. Penso em trabalhar no serviço público. Eu me esforço, nas folgas mergulho nos livros, e, com o Fies, espero conseguir me formar.

Meu desejo é poder ficar mais tempo com marido e filhos e emagrecer. Minha família tem muitos casos de diabetes. Minha glicose começou a subir, e a luz vermelha acendeu. Deveria correr na avenida, seguir uma dieta. A comida da empresa é boa, tem nutricionista, mas eu não consigo parar de comer. Na TPM, devoro chocolates. Preciso de coragem para vencer.

Sou uma mulher de 30 anos, tenho um marido compreensivo e dois filhos lindos, estou ansiosa, meu tempo não sobra para mim, me sinto estrangulada pela situação. Não penso. Mal posso respirar. Sinto-me uma verdadeira mulher-máquina. Parece que minha cabeça vai explodir. Alguém me ajude antes que seja tarde!

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