Hábitos alimentares têm tudo a ver com religião

Mara Narciso - Médica e jornalista
16/07/2019 às 07:15.
Atualizado em 05/09/2021 às 19:33

Alimentação é algo que se aprende com a mãe. Os mitos e muito da maneira como se come, entre qualidade, quantidade, refeições, com horários, sem horários, toda hora, muito, o suficiente, o insuficiente se costuma seguir pela vida toda. Há quem passe fome na infância, e quando tem alimento à vontade, começa a engordar. Quando vai ao médico e tem de restringir comida, se justifica citando as necessidades que teve de suportar. Outras vezes tem comida suficiente, mas não tem acesso aos alimentos caros. Quando começa a ganhar dinheiro, passa a comer muitos alimentos ultraprocessados e hipercalóricos. Nesse caso, costuma mudar tudo e nem de longe imita o que a mãe lhe ensinou.

Em geral, ainda que se mudem as palavras para denominar as tentativas de emagrecer, seja dieta, regime, reeducação alimentar (não se reeduca quem nunca foi educado do ponto de vista alimentar), jejum intermitente, alimentação natural, funcional, vegetariana, vegana, shakes industrializados, lowcarb, eliminação de itens como açúcar, sal, lactose, glúten, cirurgia bariátrica, balão intragástrico, combinação de alimentos, dieta da lua e assemelhados, de cada moda e de cada tempo, a imposição será uma só: motivar-se para manter a decisão. Caso o balanço entre a ingestão alimentar de cada comportamento dietético (comedor compulsivo, chocólatra, comedor noturno, bulímico) e gasto energético não for negativo, não emagrece.

Perder peso sem esforço e comendo tudo o que quiser só acontece no Fantástico e na Polishop. No mundo real apenas suando a camisa e abrindo mão de muitos prazeres se consegue emagrecer e ficar magro.

Depois de 40 anos conversando com quem quer perder peso (e não venha me dizer que a palavra “eliminar” em lugar de perder acrescente alguma eficácia ao método), conheço muitos ex-gordos convictos, mas recuperar o peso perdido e muito mais é a rotina dos consultórios, não importa a técnica.

As falas sugeridas nos livros, para mudar o comportamento alimentar são palavrórios ao vento. Quem se inicia na área, está iludido porque não descobriu a verdade. Um dia saberá que cada um tem o seu momento único em seu próprio universo individual. Há tempo de motivação e período de entregar os pontos. Pode-se mudar a vida de uma pessoa com a fala certa no momento certo, ou lhe destruir o amor próprio e a vontade com palavras certas, mas num tom errado. A psicanálise e a terapia comportamental têm cada vez mais espaço no tratamento da obesidade.

O efeito elevador, subindo e descendo, é a norma. Este sobe e desce se deve a uma cláusula muito importante: a alimentação, de forma individual, funciona como uma espécie de seita, ou até mesmo de religião, e tem dogmas imutáveis. Trocam-se itens, mas perseverar na mudança total é algo para fanáticos. Em algum tempo volta-se a alimentação anterior, ainda que com alguma troca ou restrição. Propor mudar tudo de uma vez e de forma radical é o caminho mais curto para a frustração geral, mas é o que a maioria dos profissionais tenta. O mundo moderno criou a grave doença da obesidade e não tem a mínima ideia de como resolver esse problema fatal.
 

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