Entre nomes e músicas

Mara Narciso - Médica e jornalista
Montes Claros
28/05/2018 às 23:30.
Atualizado em 03/11/2021 às 03:19

Dia 24 de maio é uma quinta-feira que pode ser um dia de primeira. Mas começa como um dia de quinta, pois recebo da minha amiga Sílvia Costa, psicóloga do Rio de Janeiro a notícia de crime hediondo: um pai estuprou o filho, de 3 anos, e o enteado, de 6, e os matou queimando-os vivos, para ocultar a barbaridade.

Estamos há 17 dias sem Paulo Abreu, meu amigo e compadre. As doenças rápidas nos assustam, custamos a acreditar e por fim fica a saudade. Animei-me ao ver a viúva e amiga de infância Dulcemar Soares, serena e firme como se prega que devemos ser nessas horas, mas poucos conseguem.

Preciso vencer a agenda e atender bem às consultas do expediente da tarde, evitando os atropelos. Depois tenho sessão de fisioterapia na Clínica de Reumatologia Dr. Paulo Ivan Guimarães para tratar uma inflamação na região lombar, fruto da tensão e do frio. Ninguém estava esperando chuva em Montes Claros nesse dia, mas choveu manso, trazendo um frio temporão. Isso leva ao encolhimento e piora a contratura muscular.

A greve dos caminhoneiros parou o país, e a ela se seguiu a concretização dos seus desdobramentos. Estranhamente há um consenso sobre a aceitação dessa greve na grande mídia, na direita e na esquerda. Eu, perplexa, ainda não a compreendi.

Mas a vida não precisa ser tão crua. Frida, minha cachorrinha poodle, de 2 meses e 20 dias anda mordendo como um tubarão. Já testamos todas as estratégias da internet e até de um adestrador de cães, para que ela não nos tire sangue, e ainda não deu certo. Constato que estamos há 48 horas sem maiores lesões. Isso se deve ao meu filho Fernando Yanmar que tem colocado música para ela, especialmente as de Chiquinha Gonzaga, numa interpretação empolgante de Talitha Peres ao piano. É possível mudar o humor dela com esse recurso.

Saio de cima da manta que estava aquecendo a área inflamada na fisioterapia, desço as escadas e a noite fria me engole. Ando depressa para pegar meu carro logo adiante no prédio do consultório. A escuridão e os perigos da rua Irmã Beata também me abraçam e eu me encolho. O prédio está fechado, Yuri, o porteiro da tarde, abre a porta e desço até a garagem. Saio em direção à avenida Sanitária, nome que horroriza os visitantes, mas lá está ela, lotada de carros.

Estou dentro do retorno da avenida, aguardando o trânsito dar uma brecha na rolagem principal quando fechar o semáforo. A Casa da Esfiha, de comida árabe, com seu letreiro vermelho está em minha frente. A chuva parou, mas o asfalto está molhado. Os carros passam ágeis, deixando um rastro de luz, transformando o desfile num bailado cujo ritmo é favorecido pela música francesa “Et Si Tu N’Existais Pas”, cantada por Joe Dassin.

Embalada por essa trilha sonora, fico olhando os veículos, os rostos dos motoristas, os seus olhares distantes, e a passagem rápida sobre o asfalto para logo sumir, em busca do seu destino. A música produz no banal aquilo que meu amigo Pedro Bondaczuk chama de transcendência, e que eu chamo de prazer. Merecemos sim, uma quinta de primeira, assim transformada por uma bela melodia associada ao pensamento mágico.

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