Decadência e pobreza

Mara Narciso*
14/05/2019 às 06:58.
Atualizado em 05/09/2021 às 18:38

 
Quando alguma coisa estava em situação de calamidade, absolutamente destruída, e no caso de uma roupa, em frangalhos, Milena, a minha mãe, dizia que aquilo estava em petição de miséria. Qualquer objeto sem manutenção, em situação deplorável, que nem o lixo quer, estaria também naquela condição.

Petição é uma solicitação, um documento para obter um direito de uma autoridade pública. Com o tempo fui ouvindo que a expressão em petição de miséria se referia a pessoas em situação de miserabilidade, que, em estado de pobreza extrema, buscavam auxílio na lei. Eram chamados indigentes, e, de porte do “Atestado de Miséria”, podiam pedir esmolas, escapando de ser enquadrados na vadiagem.

Pessoas andavam esfarrapadas pelas ruas, quase nuas, semi-encobertas por seus andrajos, sem dignidade, numa condição subumana. Eram “soluções” encontradas pelo governo para organizar a sociedade e acalmar as consciências. Jogar a responsabilidade de matar a fome do semelhante em cima da população, além de ser injusto, é ineficaz, humilhante e não tem nada a ver com bem-estar social.

Era comum ver famílias inteiras molambentas, famintas e tristes, vagando sem destino. A fome era uma vergonha maior do que a de agora, que voltou e dói fundo em quem tem olhos para vê-la. Nossa sociedade já esteve melhor, e, lamentavelmente, recuamos. Já tivemos ruas sem mendigos e sem cachorros abandonados. O que fizemos nós? Seria um bom começo admitir erros e buscar caminhos.

Junto com a mais nova crise econômica, também vemos pessoas descapitalizadas, sem ter como dar manutenção em suas propriedades, sem conseguir honrar seus compromissos, caindo seu padrão de vida, e deixando para trás hábitos adquiridos recentemente. Como dizia minha avó Maria do Rosário de Souza Narciso, “é duro passar da sela para a cangalha”. Mas fazer o quê? Tudo parou. O único caminho é voltar.

E que não seja preciso recorrer à “Petição de Miséria”, para receber do governo o título documentado de miserabilidade. Ninguém merece isso. O povo quer trabalho e emprego.

A busca de um documento para atestar pobreza nunca me pareceu tão absurda quanto agora, que verifico a veracidade dessa informação e não a encontro. Ainda que tenha visto, em menina, pedintes com crachá ao peito, autorizando-os a pedir esmolas, que, diziam ser um Atestado de Pobreza. Este ainda existe em relação à obtenção de assistência jurídica gratuita, mas o outro, da expressão idiomática, parece não ter existido.

Deve ser mais uma criação, como o milagre de Irmã Beata, que, após sua morte, teria vindo socorrer uma parturiente, fazendo-lhe o parto, ou ainda sobre o paradeiro do projeto arquitetônico que deu origem à Catedral, que teria sido feito para outra cidade. Enfim, não só de verdades se vive, e, algumas vezes, navegamos durante anos em histórias inventadas. Se bem que todas as histórias da carochinha o são: criadas por alguma pessoa cheia de imaginação. Não existem provas, nem que sim, nem que não. Assim, continuarão correndo de boca em boca, ao lado da nossa miséria humana.

*Médica e jornalista

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