“Causa Mortis”

Mara Narciso - Médica e jornalista
11/12/2018 às 07:25.
Atualizado em 05/09/2021 às 15:29

Muitos são os temas tabus neste começo, quase 5ª parte, do século XXI. O sexo entre pessoas maduras é um deles, mas especialmente a morte é um assunto proibido no ocidente. Enquanto o oriente valoriza o ancião, como depositário da experiência e da sabedoria, no Brasil, um país cuja porcentagem de idosos aumenta a cada dia, o velho é visto como um estorvo, e junto com ele, a morte é assunto ignorado, como se nunca fosse chegar. E, ainda que chegue a cada dia mais tarde, não falhará.

Assim como quem tem caspa e dinheiro não revela, maioria das pessoas omite as doenças e fazem essa escolha para ocultar seu sofrimento, como se adoecer fosse culpa de alguém. Não se escolhe doenças, elas que escolhem suas vítimas. Algumas são temporárias, outras se tornam companheiras de viagem e uma delas irá matar o hospedeiro. Ninguém sabe quando.

O Facebook, há tempos, virou um noticiário hostil, com mensagens negativas, palavras ácidas e devastadoras. Nesse amargo ritual passamos a conviver também com notícias de morte. Raramente pessoas pedem orações, falam de cirurgias ou casos graves em CTI. Então vem a notícia do fim, e as lamentações. Há os que morrem de manhã, outros à tarde. Mesmo doenças prolongadas são omitidas. Quando vem a morte, a pergunta que se faz é se foi de repente, se foi acidente, se foi doença. Morreu de quê? As respostas não vêm. Desastres, assassinatos e suicídios viram notícia por si sós.

Algumas doenças são consideradas impublicáveis. Celebridades morrem, e geralmente os motivos do falecimento são informados, mas noutras ocasiões se diz “de causas não reveladas”. Houve uma época em que não havia cura e praticamente não havia tratamento para o câncer, daí o peso da palavra. Termos como tuberculoso, canceroso, leproso e aidético foram abandonados pelo preconceito que carregam. Também se prefere dizer portador de diabetes, por exemplo, em lugar de diabético. O politicamente correto é buscado em sinal de respeito, não de proibição.

O que caracteriza a morte é a parada cardíaca, ainda que a morte cerebral também indique falecimento, mesmo com o coração batendo e a respiração mantida por respirador. Suicídio causa tanto pavor, e são tantos hoje em dia, que se evita dar publicidade a esse tipo de morte. A família fica devastada e se culpando por não ter visto a tempo e evitado a eclosão. Porém, esse tipo de visão é equivocado. Quase nada pode ser feito. Há suicidas em potencial, que verbalizam seu sofrimento e dizem que não conseguem viver nesse mundo, mesmo tratados por psiquiatras competentes, e um dia encontram o caminho aberto para concretizar a decisão. Muitos conhecem casos assim. Três minutos são o tempo necessário para a pessoa dar cabo à própria vida. Ainda assim, se deve buscar demovê-lo da ideia.

Saber a “causa mortis” é um direito de todos, e não se deveria ter vergonha em dizer isso. Qualquer que tenha sido o motivo do fim, mesmo os mais chocantes, é possível contar. As mortes são tristes, as saudades dolorosas, então, as lembranças boas precisam ser evidenciadas e as reverências feitas. Dessa roleta russa, sem orifício vazio no tambor, ninguém escapará. Conformemo-nos.

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