Bico, serviço, trabalho e emprego

Mara Narciso - Médica e jornalista
Montes Claros
17/07/2018 às 06:42.
Atualizado em 10/11/2021 às 01:27

Chega de pessimismo, crise e vacas magras. Muitos desempregados estão exaustos e sem dinheiro. Um dia isso acaba, mas, por enquanto, eles se sustentam fazendo bicos, um conserto doméstico aqui, outro adiante, uma revenda de um produto até serviços domésticos como cuidar do jardim, limpar um quintal, lavar roupas, fazer uma faxina avulsa, olhar criança, dar aula particular, coisas assim e a vida financeira vai passando no gargalo. Comer é prioridade, depois morar, água, luz e gás, e então vem o vestuário. No desemprego não há lazer, bar, festa, passeios. Poucos se arriscam a gastar em cuidados com a beleza. A vida fica feia, com medos e obrigações. Boa parte, por falta de alternativa, mergulha no endividamento.

Serviço é o que não falta em uma casa. É coisa que não acaba mais. A cozinha não fica arrumada. Mal termina de enxugar as vasilhas, já é tempo de recomeçar o serviço na pia. Tendo água e detergente, é sem fim. Não se esquecendo dos gêneros alimentícios para sujar as panelas e louças. Se não tiver alimentos, não se cozinha, e nada é desfeito para ser feito. Organizando a limpeza, sobra tempo, mas em caso contrário é sujeira infinita. Em tempo de seca, dois dias já enchem a casa de poeira. Olhar menino pequeno também é serviço interminável, especialmente os de um ano, começando a andar, como também os de 13 anos, quando resolvem brigar com o mundo, os pais em primeiro lugar. A crítica própria e dos outros atinge níveis insuportáveis. Isso dá trabalho.

Trabalho é tarefa, em algum tempo “tarefismo” desenfreado, coisa demais a ser feita, grandes listas, desejo de falar não, objetivo nem sempre alcançado, inclusive com boa vontade e psicanálise. Mas aqui entra o prazer de fazer bem feito, por gosto de superar a performance anterior a cada nova tarefa. É fazer a colher de pau e bordar o cabo. É cumprir a obrigação com capricho, cuidar bem da casa e do filho, preparar-se ao máximo para uma prova, aula, TCC, dissertação de mestrado ou tese de doutorado. É bom ver o resultado, o brilho do bem trabalhar. Crianças limpas, educadas, agradáveis, casa polida, boa aparência pessoal, tudo caprichado, porém sem se deixar escravizar.

Emprego é diferente. Há um trabalho definido, um horário estipulado, um salário a esperar, uma carteira assinada, uma garantia de remuneração quando doente, e a promessa de uma aposentadoria. Isso acontecerá se pararem de desmontar o que está feito e prometido, o que é de direito. Estava bom demais para ser verdade. Pleno emprego para quem estava profissionalizado. Difícil conviver com o retrocesso, mas isso vai passar. Ficar parado não resolve, lamentar também não. É preciso ânimo para manter a serenidade, enquanto se faz cursos gratuitos (eles ainda existem), e se prepara para quando a boa fase voltar.

Em época de entressafra é preciso inventar outra maneira de viver, usar a imaginação, sonhar e agir, porque sonho sem ação é o mesmo que dar ponto sem nó. Ainda que reverberar o senso comum seja chover no molhado, é preciso repetir: improvisos sim, ócio criativo também, pois, enquanto o emprego não chega, estes são os caminhos possíveis.

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