Barba Azul

Mara Narciso - Médica e jornalista
O Norte - Montes Claros
28/08/2018 às 05:27.
Atualizado em 10/11/2021 às 02:08

Diante da barba, a máxima simbologia social de masculinidade, a moça tímida recuou. Aos 15 anos, numa viagem com seus pais para uma cidade vizinha, foi a um baile de Carnaval no clube. Lá, com toda a cerimônia que a época pedia (1970), foi convidada a dançar. O rapaz de 20 anos era alto, corpulento e ostentava uma barba espessa. Depois de seguirem o cordão, foram para a varanda e aconteceu uma conversa aos berros por sobre o som da banda carnavalesca. O moço quis vê-la noutra oportunidade. Ela alegou medo da barba, que dava ao rapaz um ar sisudo demais. Ainda restava a terça-feira, mas o pai dela decidiu voltar naquela manhã. Quando o carro da família saía da pequena cidade passou em frente a um grupo de jovens, entre eles estava o rapaz de barba, porém sem a barba. Para agradá-la, teve essa atitude. Nunca mais se viram, mas o gesto a marcou.

Poucos meses depois, a moça tímida conheceu um rapaz bonito, de cara limpa, em seu primeiro trabalho, um cargo de office-boy, e tiveram um flerte. Apenas alguns telefonemas e poucas conversas, nada mais. O rapaz se mudou para a cidade grande e lá ficou alguns anos, ocasião em que se correspondiam. Longas cartas quase diárias foram escritas, de lá e de cá. Quando ele voltou, ainda lindo e com grandes barba e cabelos, quis namorar a moça, então com 18 anos, mas ela não concordou, devido à distância. Apenas 34 anos depois rompeu um casamento antigo para ficar um ele, então com a barba grisalha. O romance durou dois anos, mas a barba foi usada por quase toda a vida dele.

Há algum tempo a moda é barba longa e fechada, algumas aparadas e recortadas. Os cabelos estão raspados nas laterais e na nuca, num estilo moderno, mas que reedita os velhos tempos, como uma nostalgia da Segunda Guerra Mundial nos cabelos, e dos livros de História na barba. Em primeiro lugar vem à mente Jesus Cristo, depois Tiradentes e então Machado de Assis e até mesmo Dom Pedro II. A nova ordem convenceu parte expressiva dos jovens. Estão envelhecidos e menos bonitos, mas as opiniões divergem. Algumas barbas estão caindo pelo peito e assustando os conservadores. Subitamente, retirados de dentro dos álbuns de fotos mais antigos, cá estão os jovens, fingindo-se de velhos, num mix de atuais e pré-históricos. De fato, ainda não tinha sido moda barba imensa e cabelos curtos. Mais masculino não há. Muitos se tornaram adeptos da atual tendência, como uma ordem superior, outros estão receosos. Os rapazes barbudos parecem estrangeiros de lugar e de tempo, de outro país e de outro século, mais semelhantes a alguns grupos religiosos ou políticos daqui e acolá.

Em menos de uma década, por deixar os cabelos crescer demais, não penteá-los, ostentar pesadas barbas, largar os terninhos e optar pela moda indiana, os Beatles, aqueles moços de Liverpool passaram de jovens a senhores, envelhecendo 20 anos. O uso de cabelos e barbas amplos e desgrenhados os fez velhos de repente. Foi um grito de guerra ao conformismo, e os cabelos indomados diziam: “eu faço o que eu quiser”. Vale tudo, do chocante ao bem comportado. E ninguém tem nada com isso.

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