Amigos impossíveis e amigos irreconciliáveis

Mara Narciso - Médica e jornalista
O Norte - Montes Claros
06/11/2018 às 06:32.
Atualizado em 28/10/2021 às 01:37

Naquele tempo em que o casamento era eterno, “até que a morte os separe”, não havia divórcio e muitos casais viviam debaixo do mesmo teto, mas em quartos separados. Como na música de Chico Buarque: “até que a morte os una”. Mas havia o desquite, uma aberração que nada valia, pois não servia para se casar de novo, porém oficializava a separação. E quando se documentava o fim do amor, o motivo era “incompatibilidade de gênios”. Depois de um casamento frustrado, as relações de amizade costumavam ser cortadas.

Quando duas pessoas não se entendem, se diz que vivem como cão e gato, dois animais que, tradicionalmente, não se dão bem. Contrariando o ditado, cães e gatos costumam ser vistos se agasalhando entre as patas e corpos uns dos outros para dormir, dividindo o espaço de maneira harmoniosa, sendo possível compatibilizar os aparentes incompatíveis.

A memória afetiva de animal com gente costuma ser longa e fiel. No mundo animal em separado há amigos formados pelas duplas mais improváveis, por exemplo, entre animal terrestre e aquático, ave e mamífero, um gigante e um animal pequeno, mas de tudo que já vi, e mais me impressionou, foi a amizade de um imenso leão com uma cachorrinha de porte pequeno. O tal leão mora num zoológico. Impassível e de olhos fechados, ele aceita os carinhos dela, que lambe sua língua e boca, mordiscando seus lábios. Ele retribui o carinho e chega a abocanhá-la pelas costas, circulando todo seu corpo com sua mandíbula imensa, que poderia dividi-la ao meio. Ela reage positivamente e anda dando voltas em torno do Rei dos Animais, mostrando que ali também é o seu lar.

O tratador acaricia o leão, que mostra docilidade também com ele. O momento crucial da cena é quando a alimentação é servida. Grandes postas de costelas cobertas de carne são colocadas em frente ao animal. Mostrando algum fastio, o felino começa a se alimentar. A cachorrinha amiga pega uma grande porção de carne, maior que ela, entre as que estavam ali para o leão, e ele aceita a divisão da comida. Estranha parceria, dois animais imisturáveis, sendo que um deles mostra ferocidade até com seus iguais, são amigos. Os humanos deveriam aprender com eles, largando do ciúme, disputa, ódio e não mais assassinar seus semelhantes devido a escolhas opostas no campo religioso, esportivo e político.

Cão e gato, cão e leão podem conviver e se dar bem. Com pessoas é mais difícil. Donald Trump apertou as mãos de Kim Jong Un, com promessas vagas de desmantelamento do programa de armas nucleares. Palestinos e judeus ainda não conseguiram se entender, ainda que haja múltiplas tentativas de paz. Algum dia isso será possível?

O Sol e a Lua, um do dia, outra da noite, ainda assim se avistam no céu. A dançarina e o funcionário público se amam, e mal se veem devido ao horário descombinado. E gente? Depois de tantas mentiras, agressões e rupturas, seria possível pacificar os eleitores de Fernando Haddad e Jair Bolsonaro? Muitas das brigas foram definitivas, causadas pela falta de respeito com a escolha um do outro. Depois de passar o trator sobre o amigo, xingando-o e destroçando-o, quase nada restou. Os cacos não se ajustam mais.

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