A natureza humana se movimentada por controvérsias. Não existe beleza se não houver movimento. Uma árvore de copas paradas não é tão bela quanto os arbustos cujas folhas se deixam levar pelos ventos. O movimento é divino. Deus se moveu ao criar o mundo. Até mesmo o seu descanso no sétimo dia foi para voltar-se e ver o que havia feito. E o tema da hermenêutica é sempre movimento. Interpretar é ir aqui e além sempre. É estar entre lacunas que nem sempre se preenchem.
Em se tratando do texto bíblico, a crise é ainda maior, porque cremos que não estamos diante de um texto apenas humano, mas ele é também divino. Os símbolos de fé reformados nos ensinam que “a autoridade da Escritura Sagrada, razão pela qual deve ser crida e obedecida, não depende do testemunho de qualquer homem ou igreja, mas depende somente de Deus (a mesma verdade), que é o seu autor; tem, portanto, de ser recebida, porque é a Palavra de Deus”.
E por ser inspirado, e por ser Palavra de Deus, dependemos de quem o inspirou, o Espírito Santo, para entender cada detalhe. Nem sempre os estudiosos concordaram com essa proposta da inspiração. Os defensores da “crítica da forma”, por exemplo, ilustram esse entendimento oposto e controverso.
Os principais representantes dessa escola – Hermann Gunkel, Karl Schmidt, Martin Dibelius e Rudolf Bultmann – defendiam que as narrativas acerca de Jesus Cristo, tanto quanto suas obras quanto ensino, foram transmitidas, em boa parte, oralmente. E, à medida que essa tradição oral é confrontada com o texto escrito das Escrituras, nos deixaria claro que o texto que temos é frágil e, portanto, não confiável. O intérprete deveria, na opinião desses autores, recuperar a originalidade, retirando o que há de acréscimo nos evangelhos.
Naturalmente, parece uma proposta muito atraente, sobretudo em tempos de pós-modernidade e relatividade linguística, em que a deficiente, soberba e falsa neutralidade da linguagem está na moda.
Usando as perguntas do Kevin Vanhoozer: “a Bíblia perdeu a sua voz? O que ‘escritura’ tem a ver com ‘Escritura Sagrada’?”. Isso nos mostra algo interessante sobre o coração e o engenho humanos.
Por mais que um estudioso queira destruir, destronar ou mesmo negar a sobrenaturalidade da obra da inspiração divina, as Escrituras e o poder transformador de suas verdades, ou ainda questionar seus efeitos duradouros ao longo dos séculos, sempre haverá pontos de verdade nos quais Deus está se revelando.
E a razão é simples: se a Palavra é de Deus, ele mesmo ordena e dispõe todos os detalhes para sua preservação e divulgação. Não depende de nós ou do nosso engenho. A Escritura sempre se sobrepõe às investigações humanas.
Pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil
Professor efetivo do Instituto Federal do Norte de Minas Gerais (IFNMG)