Contra o ressentimento

Wendell Lessa
wendell_lessa@yahoo.com.br
11/02/2021 às 00:08.
Atualizado em 05/12/2021 às 04:09

Ressentimento é um sentimento de raiva, rancor, mágoa ou ira não resolvida por algo ou alguém. O filósofo brasileiro Luiz Felipe Pondé apresenta várias características de pessoas ressentidas. Os ressentidos, diz ele, “preferem culpar os outros em vez de assumirem a própria vida”. “O ressentimento é uma forma de cegueira espiritual”. Eu não tenho dúvidas quanto a isso. 

Somos ressentidos quando não aceitamos quem somos nem a nossa história. Queremos desconstruir tudo, mudar o mundo e as pessoas, porque não nos compreendemos nem percebemos a realidade maior do que nós. Queremos inovar e desconstruir valores, quando não conseguimos sequer arrumar as nossas camas ao levantar. Não aceitamos o fato de que há pessoas melhores do que nós, mais bonitas e mais inteligentes do que nós. Não aceitamos que há situações contra as quais não podemos lutar, porque somos limitados. Inventamos nossos próprios conceitos e tentamos o moderno método da lacração. “O ressentimento, a única emoção humana que pode durar a vida inteira, provê infinitas justificativas para suas más ações”, afirmou o filósofo contemporâneo Theodore Dalrymple. 

Na narrativa bíblica do Gênesis, Caim é exemplo claro de ressentimento. Sua “cegueira espiritual”, sua visão equivocada de Deus e do próximo, sua disposição em tornar-se maligno em suas obras e sua tentativa de subverter um valor, criar seu mundo e instituir outra forma de relacionamento espiritual, causaram toda a desgraça e miséria do coração e o levaram a assassinar seu único irmão, Abel. Eu penso que o mesmo se aplica ao comunista Stálin, que assassinou mais de 20 milhões de pessoas (algumas fontes dizem 40 milhões), e a Adolf Hitler, do nacional socialismo, que matou mais de 6 milhões de judeus e outros tantos milhares. Como afirmou Hannah Arendt, “a maldade que deixa o seu esconderijo é impudente e destrói diretamente o mundo comum”. Essas pessoas não aceitaram a própria realidade e tentaram inovar e construir outros valores.

Evidentemente, a relação entre Abel e Caim se deu num contexto pouco ou nada diversificado, o que torna a situação bem menos complexa do que as barbáries nazistas, por exemplo, que envolveu muito mais do que apenas uma ou duas pessoas. Era uma sociedade inteira que se aderiu a uma ideia. Então, é óbvio que o que se prova nessa situação, de acordo com a narrativa bíblica, é que o pecado individual, a cegueira espiritual, corrompe as mais complexas relações sociais, gerando as guerras entre nações, os genocídios e as barbáries. Tudo começa no indivíduo que, posto em contato com outros indivíduos, corrompe as relações. Lembrando o que disse Eric Voegelin: “o homem vive naquilo que imagina, e o que ele imagina toma o lugar da realidade”. 

O ressentimento mata. Pessoas ressentidas não suportam a beleza, a sinceridade e a pureza. Elas preferem a feiúra, a falsidade e a obscuridade de suas ações. Elas agem às sombras. Pondé escreveu: “Matamos Cristo porque ele era belo, odiamos mulheres bonitas porque não as temos ou porque as mulheres feias – imensa maioria – detestam as belas. A tragédia é que isso tudo é ressentimento e o ressentimento não vê a beleza, é cego. O ressentimento é uma forma de cegueira”.

O remédio contra o ressentimento, portanto, é a correção da miopia espiritual, a manutenção de valores sólidos e universais, a aceitação sincera de nossa identidade, o compartilhamento honesto de nossas ideias comuns e a correção de nossa ética.

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