‘Vamos manter a luta, mesmo que rasguem a Constituição’
Líderes de aldeia Xakriabá falam a universitários sobre a batalha contra o preconceito e a discriminação aos povos indígenas, que atravessa anos, mas não os fazem desistir

Acadêmicos da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) lotaram o auditório do campus sede para ouvir a liderança Hilário Corrêa Dbazakzêkõ e o professor Giusney Xakriabá, da Escola Indígena Xukurank. O evento é alusivo às celebrações do Dia do Índio, comemorado nesta sexta-feira, 19 de abril. Ambos são da Aldeia Barreiro Preto.
Dbazakzêkõ foi vereador e é o atual secretário de Cultura de São João das Missões, município que tem 80% do território ocupado pelo Povo Xakriabá – o maior grupo étnico de Minas. Giusney é filho de Valdemar Xavier, que faleceu em abril do ano passado, aos 75 anos, depois de exercer por 30 anos a liderança na aldeia. Valdemar Xavier integrava o Conselho Consultivo do projeto de Formação Intercultural de Educadores Indígenas (Fiei), por meio do qual o filho e palestrante se graduou em licenciatura intercultural indígena.
Empunhando a bandeira de que “a herança dos povos indígenas é a luta”, Hilário Corrêa Dbazakzêkõ disse que os índios têm pouco a comemorar em seu dia, porque vivem um momento difícil. “Mas podem até rasgar a Constituição que vamos resistir e emendar a nossa luta, porque muita gente pode morrer, mas nós, enquanto povo, não podemos recuar, porque não precisamos de papel para dizer que existimos. Com todo o respeito aos que chegaram depois, que são nossos parceiros, nós já existíamos, nossos ancestrais estavam aqui”, disse, lamentando que as instituições de ensino insistem em pregar o descobrimento do Brasil. “Na realidade estão nos marginalizando”, considera.
PRECONCEITO
Em tom emotivo, ele chamou atenção para o preconceito e a discriminação que sofrem os povos indígenas, sobretudo os Xakriabá. “A maioria acha que os índios estão apenas no Amazonas, nos lugares mais isolados, mas estão também aqui no Norte de Minas, no Sul de Minas, na Bahia”, citou. Ele lembrou ser comum, tanto na região como em grandes centros, como Belo Horizonte e Brasília, escutarem: “eles não são índios nada, são baianos”. “Como se a Bahia não tivesse índio e muito menos pertencesse ao Brasil”, lamenta.
Giusney Xakriabá disse que a nação indígena ainda sofre com a morte do pai Valdemar Xavier, que, segundo ele, deixou ensinamentos de grande sabedoria, tanto como liderança como pessoa.
Ele lembrou que os jovens indígenas são educados hoje no sentido de serem protagonistas da própria história. “Essa juventude fica às vezes seis meses trabalhando em lavouras em outros estados, porque temos pouca água, pouca sustentabilidade, de modo que é comum cinco ônibus saírem todos os anos das aldeias. Daí, temos que ficar vigilantes porque isso não pode gerar impacto em nossa cultura, no modo de vida, porque, como meu pai dizia, temos que sair, ocupar os espaços, mas temos que também carregar uma peneira para trazer para casa apenas as coisas boas”.
O seminário foi coordenado por Heiberle Hirsgberg Horácio, pós-doutor em ciências sociais pela Universidade Federal de Juiz de Fora, que desenvolveu pesquisa sobre a religiosidade do povo indígena Xakriabá.
Segundo o professor, o dia 19 de abril pode ser considerado como um motivo a mais de reflexão sobre a preservação dos valores culturais dos povos indígenas. “É coerente abrir a universidade para que eles possam fazer suas próprias reflexões, suas reivindicações para que a sociedade brasileira respeite os povos indígenas”, disse.
Aluna do 5º período de história da Unimontes, Jordana Layara fez um desenho de Hilário Corrêa Dbazakzêkõ. “Tive o primeiro contato com a etnia Xakriabá em hospital, onde trabalhava, mas esse foi o evento no qual me foi apresentada de forma tão intensa a sua luta, então eu acredito que o desenho veio de toda essa energia passada pelos índios”.