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Aniversário e contradições

Montes Claros faz 168 anos e ainda busca soluções para velhas feridas

Márcia Vieira
marciavieirayellow@yahoo.com.br
Publicado em 02/07/2025 às 19:00.

Montes Claros completa 168 anos nesta quinta-feira (3) sob o peso de desafios persistentes, sobretudo na área da saúde. Moradores apontam lentidão nas soluções e dificuldade de acesso a serviços públicos, afetando também outros setores, como emprego e infraestrutura.

Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) e Sebrae apontam que houve um crescimento de empregos no mercado formal, concentrado no setor de indústria e serviços, enquanto no comércio esses dados oscilam. As vagas aparecem principalmente em virtude de um novo desenho do Distrito Industrial, que depois de uma lacuna, viveu seu renascimento e grande momento com a instalação de empresas como a farmacêutica Novo Nordisk em 2007, seguida pela calçadista Alpargatas, fabricante das Havaianas, em 2014 e a fábrica da Nestlé em 2015, primeira fora da Europa. Naquela ocasião, o então prefeito Ruy Muniz deixou negociadas outras empresas de grande porte para o município, mas a administração seguinte não deu prosseguimento.

Excetuando os empregos nas grandes indústrias, em 2025, mais da metade das empresas locais são Microempreendedores Individuais (MEIs), corroborando as estatísticas que apontam dificuldade no mercado formal. O empreendedorismo acaba sendo uma válvula de sobrevivência e não uma escolha pessoal.

A professora de história e esteticista facial, Cássia Colares, destaca que alguns pontos são incômodos e merecem uma tomada de decisão para que o bem-estar da população não fique em segundo plano. No que se refere à empregabilidade, ela lamenta a ausência de contratações para as faixas 50+ e 60+. “Sinto isso na pele”, diz. O campo da educação também é apontado como sensível. “É preciso aumentar a oferta de cursos gratuitos profissionalizantes e, claro, valorizar e propiciar melhores condições para os professores, o que, consequentemente, trará benefícios para os alunos, que terão educação de qualidade”, destaca. Mas, para Cássia, um ponto ainda mais sensível é a saúde. Ela considera que o município precisa urgentemente contratar mais profissionais, e que, para isso acontecer, é necessário “ofertar condições de trabalho e proventos justos. Desse modo, o município poderá dar à população a condição prometida e devida, de atendimento digno”, sugere.

Um compilado de situações vividas e relatadas por usuários do SUS em Montes Claros, encontrado em portais como O NORTE e HOJE EM DIA, mostra os problemas da longa fila de espera. Pacientes desistiram ou faleceram, segundo familiares, devido à demora por exames ou consultas. Montes Claros é observado e comparado por residentes de outros estados, como Erika Fatori, que vive em São Paulo e frequenta sua terra natal. Ela comenta sobre o aumento de doenças respiratórias no país devido ao frio e critica a situação em Montes Claros. “Aqui o postinho atende normalmente em horário mais extenso e quando o paciente chega com sintomas faz o teste tanto da Covid quanto da Influenza, junto. Acabei de fazer e deu negativo para os dois, graças a Deus”, diz. Técnica em radiação, Erika acredita que a negativa em submeter o paciente aos testes em Montes Claros, tem uma única motivação: economizar.

Desvalorização
Para a psicóloga Marcela Andrade, já há alguns anos o Brasil é um dos países que mais consome ansiolíticos no mundo e não é à toa, pois o tratamento psicológico ainda é limitado e negligenciado. “Somos ensinados a acreditar que apenas a medicação vai resolver todos os problemas, e desse modo, os conflitos emocionais vão para debaixo do tapete. Nesse contexto, os profissionais acabam sendo desvalorizados no mercado, recebendo ofertas de emprego muito ruins e empregadores que não tratam a profissão com o devido respeito”, diz. A baixa remuneração, conforme Marcela, cria um ciclo de desvalorização do profissional. “A consequência é que eles acabam adoecendo junto aos atendimentos, porque precisam atender mil pacientes para receber o mínimo, e se desanimam com o trabalho”. Por outro lado, os psicólogos fazem investimentos caros para aprender e se atualizar sobre inclusão e/ou questões complexas. “A sobrecarga faz com que eles assumam tarefas além do campo de sua atuação”, acrescenta.

Na prática, essa observação da psicóloga aparece principalmente quando se trata de trabalhadores do município. A categoria de psicólogos e dos auxiliares de docência vive uma situação dramática, a partir de alterações feitas na lei por iniciativa da atual gestão e com o aval de parte da Câmara Municipal. O resultado dessa situação é o adoecimento dos profissionais, que tem sido mostrado continuamente em matérias de O NORTE. Na última semana, os auxiliares de docência e outros trabalhadores da educação foram às ruas em manifestação e aguardam, no próximo dia 25 de julho, que a prefeitura retroceda na decisão. Caso não o faça, os trabalhadores afirmam que haverá paralisação.

Cidade não inclusiva
O músico Isaque Emanuel, de 38 anos, é autista, pai atípico e liderança comunitária das famílias atípicas de Montes Claros. Para ele, é urgente que a cidade avance em políticas públicas que garantam dignidade às pessoas com deficiência, autistas e famílias atípicas. A tão sonhada educação inclusiva, segundo Isaque, precisa ser mais do que propaganda. É preciso sair do campo burocrático e passar para a prática. “Isso significa capacitação contínua para professores, escolas adaptadas, valorização dos profissionais e, acima de tudo, acolhimento real aos estudantes e suas famílias. Inclusão não é só acesso à matrícula, é pertencimento”, desabafa. 

Ainda no campo da educação, mas com enfoque na saúde, ele ressalta que aplicar a política do SUS com agilidade e sensibilidade é a alternativa para colocar nas escolas profissionais capacitados para atender pessoas autistas e com deficiência, com consultas humanizadas e equipes multidisciplinares nos hospitais e unidades de saúde, e principalmente rapidez nos atendimentos. Projetos como a Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA) são portas necessárias para garantir voz a quem se comunica de forma não convencional, sendo o caso dos autistas. “Esse tipo de recurso deve ser implementado nas escolas, serviços de saúde e atendimentos públicos”, comenta. Sobre a infraestrutura, Isaque opina que está muito distante do ideal e falta uma preocupação real com o tema. “As pessoas com mobilidade reduzida ainda enfrentam obstáculos diários em calçadas, transportes e prédios públicos. Uma cidade que não é acessível não é para todos. É preciso coragem e sensibilidade para transformar Montes Claros em um lugar onde todas as pessoas possam viver com respeito, autonomia e oportunidades reais”, opina.

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