Enquanto Belo Horizonte celebra o diálogo entre balé contemporâneo e funk no workshop Sobre Tons na Dança, Montes Claros enfrenta uma polêmica: uma fala do secretário municipal de Desenvolvimento Social, durante a Expomontes, foi criticada por deslegitimar o funk e reforçar estigmas contra manifestações culturais da periferia.
O motivo foi uma fala do secretário municipal de Desenvolvimento Social, André Kevny Luiz Alves Gomes, em vídeo gravado na Expomontes, maior evento popular da cidade, ao justificar a realização da noite católica. “Fala turma, quarta-feira, dia 9, você estará aqui, olha, ali o palco da noite católica aqui na Expomontes. E eu vou falar uma coisa para vocês, por que nós fazemos essa noite católica todo ano? Porque a proposta é o seguinte, se a gente não fizer esse evento, entra uma noite de funk universitário, e nós estamos precisando mais é de rezar, é ou não é gente?”.
A declaração gerou reação imediata de artistas, e representantes da sociedade civil. Para muitos, a fala deslegitima manifestações culturais periféricas e reforça estigmas históricos. A socióloga Letícia Imperatriz classificou o posicionamento como excludente e discriminatório. “O parque, sendo um espaço público financiado com dinheiro público, deveria estar aberto à diversidade religiosa e aos diferentes públicos. Nós, LGBTs, por exemplo, não temos nenhuma atração que nos contemple, e nem por isso saímos questionando”, afirmou.
Letícia também destacou que a fala ignora o histórico social da cidade e o papel do funk como resistência. “Montes Claros foi construída sobre uma lógica escravocrata. O funk vem justamente dessa população historicamente marginalizada. Ao dizer que é preciso ocupar os espaços para que eles não sejam tomados por funkeiros, o secretário reforça um discurso que desvaloriza essas manifestações”, declarou.
O cantor de rap João Vitor Ribeiro, conhecido como Jovem Negro, morador da periferia e artista independente, também comentou a repercussão. “Pra ser sincero, eu achei a fala dele muito mal interpretada. A gente precisa de Deus, claro, mas isso não justifica ele ter falado daquela forma”, avaliou. Para o rapper, expressões artísticas como o rap e o funk ainda são marginalizadas, e por isso exigem respeito e cuidado por parte dos gestores públicos. “A nossa cultura ainda é malvista pela sociedade. O funk e o rap fazem parte da cultura do nosso país. Geram renda, geram visibilidade e oportunidades, principalmente pra gente da periferia”.
Com a repercussão, o secretário André Kevny afirmou em nota ao O NORTE que não teve intenção de desmerecer o funk e que sua fala, feita de forma espontânea em stories, foi tirada de contexto. “O que divulguei foi o valor de se promover espaços de fé, espiritualidade e reflexão e algo que eu de maneira pessoal considero importante diante de tantos desafios que enfrentamos na vida. Em hipótese alguma, fiz ou faço juízo de valor sobre o funk, ou qualquer outro gênero musical. Cresci e vivo até hoje em bairro de periferia. O funk, inclusive, sempre esteve presente em meu cotidiano, nas festas, nas ruas e nas manifestações culturais da minha comunidade. Sei da sua importância como expressão legítima da juventude, especialmente a periférica, como forma de resistência cultural”.