A triste situação de um andarilho que veio para Montes Claros incentivado pela propaganda de uma cidade maravilhosa, para encontrar aqui a pior realidade que já enfrentou ao longo da vida
Samuel Nunes
Repórter
Começou na última quarta-feira e termina no dia 14 de janeiro o I Festival de Cinema de Montes Claros, que tem como tema os Dez anos de Retomada do Cinema Brasileiro. Promovido pela Fundação Cultural Genival Tourinho, em parceria com secretaria municipal de Cultura, o festival inicia sua programação com a exposição Aspectos do Cinema em Montes Claros, acervo do escritor e projecionista Benjamin Ribeiro Sobrinho. A mostra permanece na galeria Godofredo Guedes do Centro Cultural Hermes de Paula até o final de janeiro.
Davi Ferreira mostra o que come diariamente: rejeito de carne, comida imprópria até para animais (Foto:Wilson Medeiros)
Mas um filme que chamou a atenção é que muitos andarilhos que fazem de alguns pontos da Praça da Matriz moradia, tendo em vista a falta de políticas públicas no município para essas pessoas, foram retirados daquele local.
– Alguém tem que fazer alguma coisa em prol destas pessoas. Elas estão vivendo sem nenhuma condição de subsistência e até agora o poder público municipal não fez nada. Nós também temos que fazer alguma coisa para amenizar o sofrimento dessas pessoas.
Essa é a opinião de uma pessoa ouvida pela reportagem e que preferiu não se identificar, ao observar a montagem das salas de cinema na Praça da Matriz e à retirada dos andarilhos.
PÉS DESCALÇOS
No entanto, bem próximo de onde vai ser realizado o evento cultural, a reportagem de O Norte encontrou um morador de rua, que procura diariamente pela atenção das pessoas e, sobretudo, por um prato de comida. Com os pés descalços e roupas sujas, rasgadas, e barba por fazer, é perceptível em seu rosto a falta de esperança e a perda da auto-estima, da dignidade humana.
No inicio, ele se mostrou tímido, mas algum tempo depois revelou a vida difícil que leva, morando em lote vago ao lado de um dos patrimônios histórico mais importante de Montes Claros, que é o Casarão dos Maurícios.
– Não é qualquer pessoa que suportaria a vida que estou levando. Eu também sou gente, mas infelizmente muitas pessoas não pensam desta forma Não tenho passagem pela policia, não sou marginal, apenas não tenho um teto digno para habitar.
DIREITOS
De acordo com a Constituição Federal, a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos alguns itens, como o de construir uma sociedade livre, justa e solidária, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais.
No Art. 6º diz que o povo brasileiro tem direitos sociais a educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados, na forma da Constituição.
Contudo, essa não é a realidade vivenciada pelo morador de rua, Davi Ferreira Lima de 59 anos, natural de Belo Horizonte.
Com lágrimas nos olhos, numa mistura de tristeza e revolta, revelou que veio para Montes Claros no início do ano passado à procura de emprego e de uma vida melhor.
– Mas, quando cheguei aqui, não era tudo verdade o que falavam da cidade. Diziam que Montes Claros tinha oportunidade de emprego para todos. No momento estou morando na rua, as pessoas me olham com preconceito e medo, achando que sou um marginal, embora eu seja um ser humano como todos os demais, filho de Deus. Vim de Belo Horizonte para Montes Claros a pé, pois eu não tinha dinheiro para pagar a passagem de ônibus. Gastei dois meses e dois dias, enfrentei chuva e sol, mas consegui chegar à cidade. Poderia estar morando em uma casa, mas o que encontrei foram as ruas e esse lote vago, onde tenho o meu cantinho - diz com tristeza e lágrimas nos olhos.
NATAL
Indagado com foi o Natal e Ano Novo, Davi Ferreira conta que passou as duas datas dormindo em cima de um papelão. Davi diz que em ambas as festas dormiu sem ingerir qualquer tipo de alimento, o que em sua opinião não é nenhuma novidade, pois já ficou até uma semana bebendo apenas água e comendo, raramente, um pedaço de pão.
– A maior tristeza que uma pessoa pode ter é quando ela chega a morar na rua. Essa é uma experiência que não desejo para ninguém. Certo dia, por exemplo, eu pedi um prato de comida para uma mulher e ela escarrou no prato e depois me deu. Apesar da humilhação, tive que aceitar. A fome era maior do que o constrangimento e o desprezo.
Ele garante que se ganhasse uma passagem de volta para Belo Horizonte aceitaria de imediato, pois a saudade de seus pais é muito grande.
– Minha família não sabe que estou vivendo nesta situação aqui em Montes Claros. Para eles, eu estou bem, mas a minha realidade é completamente diferente.
Lembra que na capital trabalhou em empresa como eletricista, mas não ficou muito tempo, posto que a mesma abriu falência.
COMIDA NEM PRA CACHORRO
No momento da reportagem, Davi mostrou o que come praticamente todos os dias: aproximadamente 3 quilos de rejeito de carne, geralmente usado como comida para cachorro – e que nem para os cachorros é aconselhável.
- Isso é o meu alimento. Alguns açougueiros oferecem para mim e eu aceito com simplicidade. Isto não é vida. Alguém precisa me ajudar pelo amor de Deus - conclui.
