Proibido, mas de fácil acesso

Jovens têm facilidade para comprar cigarros, o que favorece a iniciação no tabagismo

Manoel Freitas // Alice Veloso*
11/12/2018 às 08:25.
Atualizado em 05/09/2021 às 15:30
 (MANOEL FREITAS)

(MANOEL FREITAS)

O amplo acesso de adolescentes à compra de cigarro no Brasil é hoje um desafio a ser enfrentado pela sociedade. Segundo pesquisa realizada pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca), apesar de a legislação brasileira proibir a venda de cigarros para menores, a grande maioria tem acesso ao produto, “em claro desrespeito à lei, o que contribui para o aumento na iniciação de jovens no tabagismo”, mostra relatório do estudo.

Publicado no Jornal Brasileiro de Pneumologia, a pesquisa indica que 86,1% dos fumantes entre 13 e 17 anos que tentaram comprar cigarros em alguma ocasião nos 30 dias que antecederam à pesquisa não foram impedidos”. Segundo o levantamento, a proporção de êxito na compra chegou a 82,3% entre adolescentes de 13 a 15 anos e 89,9%, entre os de 16 e 17 anos.

Em Montes Claros, o hábito de fumar é comum tanto nos intervalos das aulas nas escolas quanto em praças públicas.

Durante uma semana, a equipe de O NORTE percorreu as principais praças de Montes Claros, portas de escolas, visitou os estabelecimentos do centro e do Mercado Municipal. Em nenhum destes últimos foi constatada a afixação de cartazes alertando para a proibição de venda de cigarros para menores de 18 anos, em desrespeito à lei e ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Outro fato que chama a atenção: quer seja em ambientes utilizados por adultos ou adolescentes, é clara a opção por cigarro de palha, também conhecido por palheiro, pó ronca ou paiol, motivada pela falsa crença de que o produto é menos nocivo à saúde.

Total engano: o fumo é envolto em palha em vez do papel, não possuindo qualquer tipo de filtro, tornando-se a forma mais prejudicial de inalação da fumaça, pois amplia a exposição aos malefícios do produto.

Tanto é verdade que a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia atesta que um cigarro de palha equivale a três cigarros industrializados, elevando, portanto, o risco de dependência e aparecimento de doenças, como câncer de pulmão, rins e estômago, além de infarto agudo do miocárdio e enfisema pulmonar.

Portanto, tudo contribui para que um número cada vez maior de jovens tenha acesso ao cigarro, seja ele com filtro ou orgânico. Um beco sem saída: de um lado, o cigarrinho de palha totalmente natural e sem filtro, cuja apologia é feita por orgânico-ativistas; do outro, o cigarro normal, com filtro e 4 mil substâncias tóxicas, ambos responsáveis por 90% dos casos de câncer no Brasil.

Daí, a proposta do Ministério da Saúde de levar até os jovens a informação de que o produto é igualmente prejudicial ao industrializado, para que não se sintam seduzidos pela falsa impressão de que não faz mal.
* Sob supervisão do editor

“Necessidade de autoafirmação, socialização, porque os jovens acreditam que o cigarro os torna mais adultos, mais maduros” João Antônio Pimenta de Carvalho - Médico pneumologista

Primeiro trago aos 9 anos
O fácil acesso ao cigarro favorece a iniciação cada vez mais precoce no tabagismo. A idade média com que os jovens começam a fumar no Brasil é de 16 anos, segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Nas ruas de Montes Claros, no entanto, O NORTE encontrou jovens fumantes que deram o primeiro trago ainda muito mais novos. Na Praça da Matriz, centro histórico da cidade, um dos meninos com os quais a equipe conversou disse fumar desde os 9 anos.

Além do fácil acesso, o vício é ainda estimulado pelo baixo custo do produto – R$ 5 por maço com 20 cigarros, ou até mais barato, se for contrabandeado.

Um mal, no entanto, que pode sair caro. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o cigarro é hoje a principal causa de morte evitável. Por esse motivo, o organismo internacional considera o tabagismo uma doença pediátrica.

Em frente ao Centro Cultural de Montes Claros, na última quarta-feira, O NORTE conversou com o adolescente V.I.C., de 17 anos. Ele admitiu fumar desde os 9. “Comecei por influência de amigos e não mudo o comportamento. É a mesma ideia”, disse naturalmente, garantindo por outro lado ter o cuidado “de não fumar em locais fechados, para não prejudicar as outras pessoas”.

A poucos metros, duas adolescentes, C.D. de 16 anos, e N.S., de 17, relataram que não fazem uso do cigarro, mas garantiram ser essa uma prática comum nas proximidades do colégio onde estudam. “Dentro da escola não é permitido, mas eles fumam escondido e todo mundo sabe”, relata N.S., lamentando que “o cheiro é horrível, incomoda e a gente acaba se tornando um fumante passivo e isso faz mal também”.

INFLUÊNCIA
Na Praça da Matriz, uma mulher de aproximadamente 45 anos fumava ao lado da irmã e de três sobrinhos, um dos quais recém-nascido. Indagada sobre os danos que poderiam causar aos familiares, preferiu ignorar a reportagem, embora não tenha dispensado o tabaco.

Outro jovem que fazia uso do cigarro em praça pública, que preferiu não se identificar, reconhece o perigo e a influência que exerce quando está fumando, principalmente em público. “Tem dois anos que fumo, geralmente todos os dias. Mas tenho consciência de que faço apologia ao uso do tabaco, acho isso péssimo, mas...”.

“Dentro da escola não é permitido, mas eles fumam escondido e todo mundo sabe.O cheiro é horrível, incomoda e a gente que não fima acaba se tornando um fumante passivo” N.S. - Estudante e não fumante

Porta aberta para 50 doenças
Além de provocar várias doenças, o cigarro abre portas para outras drogas. “Principalmente as ilícitas, como maconha e crack”, alerta o médico pneumologista João Antônio Pimenta de Carvalho.

Segundo ele, cerca de 50 doenças são decorrentes do hábito de fumar. “As mais comuns são infarto, bronquite, derrame cerebral e câncer do pulmão. Porém, é na adolescência que se adquire o vício e os riscos para toda a vida”, alerta.

Na mocidade, ressalta o médico, as complicações mais comuns são as infecções respiratórias, além dos efeitos estéticos, como acne, rugas e envelhecimento precoce.

João Antônio atribui a iniciação cada vez mais precoce ao tabaco “à necessidade de autoafirmação, socialização, porque os jovens acreditam que o cigarro os torna mais adultos, mais maduros”.

Para o especialista, a família tem um papel fundamental na ajuda contínua, com informação, solidariedade, compreensão e paciência. “Os médicos, em geral, não só os especialistas, têm um papel permanente de informar sobre os males do cigarro e persuadi-los a parar o quanto antes”, afirma.
 
COMÉRCIO
No Mercado Central, o comerciante Renam Ribeiro, de 29 anos, foi o único a admitir que vende cigarro para jovens: “desde que a gente conheça seus familiares”. Há oito anos ele atua no ramo e afirma que “tanto o cigarro industrial, o paiol e o fumo têm uma saída boa”. “Não como antigamente, que vendia mais, mas o comércio é bom porque tem gente que usa também para fabricação de inseticida, método natural”.

Renam herdou a atividade do avô Antônio Fialho de Carvalho, conhecido como “Bilu”, que tem 70 anos de mercado.

Na rua Governador Valadares, a proprietária da casa de cigarros mais tradicional da cidade, Viviane Cambuí, garante que o estabelecimento, com 37 anos de tradição, não vende em hipótese alguma para menores.
“Essa semana, por exemplo, vieram aqui duas pessoas, dois menores, mas a gente dispensa direto, direto, direto”, garante. Ela disse que, quando se trata de jovens, a política da empresa é pedir a identidade, apesar de no estabelecimento não haver cartaz deixando clara a restrição à venda a menores.

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