Após o luto, a luta pela vida

Depois de perder o filho, psicóloga abre Centro de Valorização da Vida para prevenção ao suicídio em Montes Claros, onde forma voluntários para ajudar pessoas com depressão

Manoel Freitas
O Norte - Montes Claros
06/12/2018 às 05:24.
Atualizado em 28/10/2021 às 04:07
 (MANOEL FREITAS)

(MANOEL FREITAS)

Depois do sofrimento de ter perdido o filho, que se suicidou aos 23 anos, em 2010, a psicóloga Silvana Veloso Neri Oliveira não se deixou levar pela tristeza. Levantou a cabeça e decidiu ajudar outras pessoas a não repetirem a história do rapaz. Sem ajuda do poder público, ela inaugurou em abril deste ano o núcleo do Centro de Valorização da Vida (CVV) em Montes Claros. Das 14h às 22h, 20 voluntários se revezam na chamada “Escuta Fraterna”, que consiste em ouvir ao telefone pessoas em depressão profunda e com tendência a tirar a própria vida. O atendimento é gratuito pelo número 188, sob sigilo total.

As despesas são bancadas por meio de doações espontâneas, a maioria dos próprios voluntários. “Depois de ter passado por essa tragédia, percebi que o suicídio era mais comum do que imaginava e, diante dessa realidade, me senti na obrigação de fazer algo com o objetivo de que o autoextermínio não fosse uma opção à dor, ao sofrimento”, diz Silvana.

Pedagoga, psicóloga e terapeuta comportamental especialista em trauma, Mônica Costa Nobre disse que a cada 40 segundos uma pessoa morre por suicídio no mundo, sendo que 90% dos casos poderiam ser prevenidos, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS).

No último dia 29, Mônica fez a segunda das três palestras do CVV para a preparação de 50 voluntários, que a partir de 26 de janeiro reservarão quatro horas semanais à prevenção do suicídio.

Mônica disse que o processo de depressão profunda, que provoca a vontade de morrer, decorre de alguns fatores, principalmente da solidão, independentemente de a pessoa ter companhia ou não. “É uma tristeza intensa que dá origem à maioria dos quadros de amargura, desespero diante das dificuldades vividas e ausência de propósito existencial”, descreve.
 
AMPARO
A unidade criada em Montes Claros, através do telefone 188, atua também na direção de amparar familiares que perderam entes vítimas de suicídio e, ainda, pessoas em estado de desencorajamento, de perda de interesse e solidão, mas que desistiram de tirar a vida e que integram o programa Grupo de Apoio dos Sobreviventes de Suicídio, que a exemplo dos demais serviços gratuitos prestados pelo CVV, tem informações disponíveis através do endereço eletrônico www.facebook.com/navimoc.

Silvana Veloso conta que o processo de criação do núcleo no início foi difícil. “Procuramos pessoas ligadas à administração municipal atual na esperança de que pudessem nos ceder o local para abrigar a sede, porém isso não aconteceu”, lembra.

O marido de Silvana, sensibilizado, cedeu ao CVV uma sala na sua empresa. “É lá que estamos provisoriamente, mas futuramente queremos ter nossa própria sede, um local amplo onde possa fazer treinamentos e reuniões”.

Indagada sobre o que diria para uma mãe que perdeu o filho nas mesmas circunstâncias, ela não titubeia: “Falaria a ela para derramar todas as lágrimas, pois o luto deve ser vivenciado, em especial o luto pelo suicídio, mais doloroso e complexo para as mães, porque consideramos que nossa tarefa primordial é proteger os filhos e, sob esse aspecto, falhamos”, desabafa, citando, em seguida a frase: “Depois do luto, à luta. É nisso que acreditamos”, diz.

Uma característica comum às pessoas que recorrem ao CVV é o silêncio. Ontem, nas cinco ligações atendidas por Silvana, do outro lado da linha nenhuma palavra. Ou seja, os portadores de depressão limitaram-se a ouvir. “Mas, mesmo assim, a gente não desliga o telefone, porque são tantas coisas fortes que muitas vezes elas tentam falar, mas relutam, como ocorre com pedófilos, por exemplo. Ligam para desabafar porque sabem que a conversa vai ficar aqui, que ele não será julgado”.

O CVV funciona na rua Santa Terezinha, 585, bairro Todos os Santos. Quem deseja participar como voluntário pode ligar para o número (38) 99247-0908.


 

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