Alexsandro Mesquita
Correspondente
GLAUCILÂNDIA - O nome dela é Rosalina Maria de Jesus, tem 97 anos de idade, nasceu em Jacaraci – BA, e se mudou aos 5 anos para o Vigário, região de Juramento, e mora em Glaucilândia. Mãe de 10 filhos, ela ajudou, como parteira, vir ao mundo outras tantas crianças.
Dona Rosa, como é conhecida, foi citada em matéria de O Norte (13.04) por dona Alzira Alves Maia como a parteira de seu filho, João Rosa Alves. A reportagem procurou Rosalina para ouvir sua história.
A parteira, que é cega há mais de 30 anos, conta quando perdeu a visão, sobre crendices, fé e espiritismo. Ainda hoje faz tapetes a mão por não conseguir fazer outra coisa.
- Antes, trabalhávamos fazendo tijolos, telhas, potes, vasilhas, cavalinhos, tudo quanto é bichinho eu fazia para vender. Era o meio para se ganhar dinheiro. Enquanto enxerguei, peguei menino (fez parto), depois fiquei cega, não pude mais. O primeiro parto que fiz foi do meu neto (Geraldo Filho e Olímpia) e o último foi Diná, outra neta. No primeiro parto havia uma parteira formada para esse serviço, morava em Juramento, pegava menino pra todo canto e ganhava dinheiro. Ela ganhava pelo serviço. Eu não cobrava, se quisesse me dar um agrado que me desse, por livre vontade. Eu busquei essa mulher (Joana parteira), o marido dela se chamava Virgílio. A menina estava inchada demais e ficou a noite toda incomodada (sentindo dor) e ela lá mais eu, o dia já clareando e ela falou comigo assim:
PERIGO DE MORTE
- Olha, compadre, a senhora vai arrumar jeito de um carro pra levar essa menina para Montes Claros, que essa criança não vai nascer aqui não, já era pra ter nascido, se demorar mais ela morre. E aí eu falei para o meu velho (marido). Ele foi à procura do carro, eu me ajoelhei no chão, no meio da casa e pedi ao Senhor Bom Jesus pra me ajudar. Ajudar minha filha pra essa criança nascer, fizesse o milagre pra nós e, se nascesse viva, seria batizada na Lapa do Senhor Bom Jesus. Mostrasse o milagre pra mim e desse um jeito, eu não podia ir com ela para Montes Claros, e que ele tivesse pena de mim. E, a partir daí, a dor acochou na mulher, e apertou... Deus é que dá jeito e o menino nasceu vivo, falei com os pais dela para batizar na Lapa, se for pra mim eu levo, senão fica para os padrinhos. Daí, uma vizinha lá, dona Sebastiana, incomodou e mandou me chamar e eu fui. Cheguei, lá tinham umas mulheres e ela sentada na cama com os pés para baixo, e eu falei:
- Não é a senhora que está para ganhar neném.
Ela disse:
- É.
E eu disse:
- Como é que vai ganhar neném e está sentada desse jeito? As outras ficaram caladas. Mandei deitar na cama, passou um pouco, e o menino nasceu. Foram os primeiros partos que eu fiz.
MUITO QUERIDA
E continua:
- No tempo antigo, eu achava muito bom. Eu era muito querida do povo. Meu esposo, Antônio Benedito, bebia muito e já estava velho quando pegou o serviço de olaria, ele tomava conta. Antes, plantávamos roça, pegava na meia, plantava milho, feijão, abóbora, batatinha.
Perguntamos a dona Rosa parteira quantos partos já fez e como era feito para a criança não morrer, e os cuidados com a assepsia. A resposta veio com um largo sorriso de criança:
- Êh! É demais. É muito menino que eu peguei, meu filho. Graças a Deus, o povo gostava muito de mim. Não morria graças a Deus. Ele é bom pai. Ganhei todos os meus filhos praticamente sozinha. É Deus que me ajudava, com isso eu praticava... Para cortar o umbigo, segurava dois dedos presos juntando a pele e amarrava bem amarrado, pra não sair muito sangue, cortava com a tesoura. Lavava só com água pura e não acontecia nada. Vinha gente de muito longe pra eu fazer parto, não tenho nem idéia de quantos fiz.
Pedimos, então, para dizer qual tempo seria melhor para se viver. Mais uma vez dona Rosa usa o bom humor:
- Antigamente era mais difícil, mas era bom, era mais fácil de viver. Hoje é mais fácil pra ganhar dinheiro. Ah! Se eu enxergasse...
A CEGUEIRA
A parteira começa a relatar sobre aquilo que acredita ter sido seu mal:
- O prejuízo meu aqui de ser parteira foi ter ficado sem vista, o povo tinha muita inveja e cobiça de mim. Tinham três, quatro, cinco pessoas com a mulher e ela era difícil pra desocupar; era eu chegar e a menina desocupava. O povo ficava doido. E foi indo assim, eu já havia pegado duas ou três crianças de uma mulher lá. Do primeiro tinha três, quatro dias que ela estava de cama, vieram atrás de mim. Cheguei lá, a casa estava cheia parecendo festa, muita gente, duas mulheres fazendo o parto, mais ela, né? A mulher se chamava Loura e a mãe dela, Ernestina, que também era parteira, quando eu cheguei, esse povo espenicou, né? Ela era daqui. Eu falei: - Paciência, vamos fazer a festa primeiro, mas o povo todo correu, foi embora, então eu falei: - Minha filha, por que você está deitada?
E ela disse:
- Ô, dona Rosa, eu estou pra morrer de cansada e eles não me deixam bulir daqui (sair).
Eu falei:
- Por que, minha filha, você num bole, não agüenta levantar não?
E ela:
- Eu agüento, mas eles não deixam eu sair da cama.
PERNAS PRA LEVANTAR
Eu falei:
- Levanta, senta na cama, se você tem pernas pra levantar, levanta, vai lá fora, seu esposo está lá, vá e conversa com ele, se diverte, na hora que a dor vir, você volta; precisa ter pressa não.
Aí ela se levantou, foi lá pra fora depois, quando sentiu dor. Mandei subir na cama novamente, me deitei ela, assentei o menino na barriga dela e a criança nasceu. Passou e ela tornou a se engravidar, ia ganhar o menino em Montes Claros, Lá, o marido ia levar ao hospital, para o médico, mas eu já tinha pegado dois e ela disse que não queria outra pessoa não, aí a trouxe, deixou na casa da mãe e lá ela mandou me buscar. E eu peguei a criança. Fui muito feliz, peguei a criança, estava chovendo e eu queria ir embora. Ela me chamou e falou:
- Que pressa é essa? Vamos lá na cozinha fazer um café.
Passei a noite lá com eles. No outro dia, ela pediu para esperar fazer café pra tomar primeiro, depois, quando fosse levar os meninos pra escola eu iria embora. Não podia ficar o dia lá não, ficava só enquanto desocupava, senão outra mulher precisava mandar me buscar. Sai de lá com dor nos olhos. Doía demais, a cabeça também. Cheguei em casa, meu velho (marido) disse pra eu ir ajudar a fazer um vai-e-vem, porque o gado de
Antônio Baliza estava passando para o lado de cá. Eu disse:
- Então vamos logo, que eu não estou boa não, preciso procurar um remédio porque eu não estou boa.
A BENZEDEIRA
- Ele perguntou o que eu tinha e eu falei. Mas, ao ir embora, passei na pensão, que lá tinha benzedeira (Dona Maria da pensão) que trabalhava espírito, né? Passei lá pra ela me benzer, ela falou:
- Viche, dona Rosa, a senhora está carregada. A senhora trata que está muito carregada...
- Depois disso, minha filha Olímpia fez o remédio. Aí, fui pelejando, mas toda vez que ia lá dava o passe em mim e falava que eu estava muito ruim, me ensinava o remédio, mas não tratava pra eu ficar boa. Fui ao médico, mas o doutor não conhece esses negócios de feitiço, né? Essas coisas eles não conhecem não. Aí fui pelejando, pelejando e foi doendo e doendo, até que esses olhos vieram a furo, só vi o sangue, furou sozinho. Faltava morrer de dor. Fiquei cega de um, mas, enquanto enxergava do outro, ainda fiz parto. A mãe dessa mulher que fez isso comigo tinha inveja de mim, ela queria ser a dona dos partos, mas não conseguiu, não teve essa sorte. Eu andava por toda banda (lugares), ela queria ser a dona, mas não sabia nada e acho que não tinha Deus no coração (ela está falando de dona Ernestina, a mãe da mulher que fez o parto dos três filhos). Ela queria ser a dona, a parteira, e fez isso pra mim, para ver se ela tomava meu lugar, né? Eu era muito feliz fazendo isso, gostava demais de ver as crianças, uns me chamavam de mãe, outros de avó, mas a maioria me chamava de mãe, tinham muito carinho por mim, viche, demais da conta, demais, os pais, as mães, eu era muito estimada do povo. Graças ao meu bom pai do céu.
A INVEJA
A parteira conta outra história envolvente:
- Tinha outra parteira que... Você vigia só o que é inveja, né? Fazia porqueira, amarrava os partos das mulheres para que os outros não pegassem, só ela. Muitas vezes eu estava na mulher fazendo o parto e a criança não nascia e eu, vendo que estava passando de hora e vinha no sentido assim, eu vou chamá-la, era só chegar e o menino nascia. Aí fui ao Centro espírita e passei a saber o que era isso. Aí, eles (espíritos) me contaram que ela amarrava o parto pra outra não pegar, só ela (Minervina). Aí, o caboclo disse que ela amarra. Perguntei de que jeito dá pra gente soltar. E ele respondeu:
- Ela amarra em nós, se você perceber que está amarrado, dobra ela pra nós que soltamos. Aí, eu acendia uma vela pra parte (espíritos/orixás) e eles soltavam. Eu pedia para os pretos velhos soltar, era só eu perceber que tinha coisa atrapalhando eu pedia eles pra ajudar. Acendia a vela, eles me ajudavam. Minha família não acreditava não. Eu acreditava porque fazia os pedidos, remédios e resolvia. Aqui havia muito terreiro.
Dona Rosa não se esquece de agradecer aos filhos que cuidaram dela:
- Deus me deu a sorte, porque meus filhos cuidaram de mim e zelaram por mim até hoje. Morei com Do Carmo muito tempo. Quando morreu, meu esposo me entregou pra ela tomar conta de mim, e que me zelasse como se fosse uma criança, que não deixasse que judiassem de mim.
Maria do Carmo carregava a mãe para todos os lugares em que morou, cuidou dos filhos das irmãs, pois não podia ter os seus. Com a mãe, viveu em Curitiba, BH, Ribeirão Preto.
Quando veio da Bahia, em 1914, trouxe consigo uma remanescente de escravos. Segundo dona Rosalina, a escrava, que se chamava Amiga, já estava velha e era de seu bisavô paterno, João Batista, e pediu para vir com a família com quem ficou até morrer. Conta que a escrava tinha muito carinho por ela. Hoje, a filha Maria dos Anjos e a neta Rosilene cuidam da parteira, uma mulher feliz, lúcida e que carrega no sobrenome Maria de Jesus. Tem aproximadamente, que conseguiu contar, 30 netos, 32 bisnetos e 3 tataranetos.