
A cada dois dias, um médico é agredido verbal ou fisicamente por um paciente. Essa é a estimativa feita pelo sindicato que representa a categoria no Estado, o Sinmed, uma vez que o medo de denunciar os casos reflete na consolidação de estatísticas sobre o tema. No episódio mais recente, uma profissional foi ferida por um casal em Lagoa da Prata, na região Centro-Oeste de Minas Gerais. A grande maioria das ocorrências, inclusive, acontece nos serviços de urgência e emergência, observa o Conselho Regional de Medicina (CRM-MG).
Presidente da entidade, Cibele Carvalho diz que as violências mais comuns são as ameaças. Por mais que não sejam concretizadas, as intimidações deixam os trabalhadores temerosos em permanecer nos locais onde atuam e, na rede pública de saúde, não são raros os pedidos de exoneração por medo de retaliação.
“Temos essa violência verbal, a pessoa dizer que se não for atendida vai voltar e matar todo mundo. Eu já passei por isso. Muitas vezes, o usuário não entende que o médico pode estar sobrecarregado ou atendendo alguém com quadro de saúde mais grave”, diz.
PICOS DE DOENÇAS
As agressões são mais frequentes em períodos de picos das doenças, quando a demanda por assistência aumenta, observa o diretor de Mobilização do Sinmed, Cristiano Túlio Maciel Albuquerque. Tendo atuado como diretor do Hospital João Paulo II, ele conta que, por lá, dois casos de hostilidades contra os profissionais eram registrados por semana de abril a junho, época de maior incidência das enfermidades respiratórias.
Mas a situação é realidade em qualquer unidade de saúde e está menos ligada ao relacionamento entre as partes, sendo uma questão do próprio tempo de espera por uma consulta, frisa o médico.
“O conflito é inevitável porque vem do desencontro entre a demanda e a capacidade de atendimento em alguns momentos específicos, não é contínuo. Toda vez que o tempo de atendimento ultrapassa seis horas, é inevitável ter esse conflito”, explica.
Em Montes Claros, os casos de agressão contra profissionais da saúde não são raros. “Há sempre uma insegurança que acaba gerando uma falta de respeito por alguns familiares, principalmente de pacientes da Covid neste período que estamos vivendo. Entendemos que este período é difícil e as pessoas estão com os sentimentos aflorados”, afirma um profissional que pediu para que não fosse identificado.
O relato mais recente, segundo ele, foi na noite de segunda-feira. “Iniciamos um tratamento de um paciente positivo para Covid. A filha não teve o cuidado de se proteger e queria ficar o tempo todo ao lado do pai. Temos que orientar e chamar atenção para os cuidados, mas a maioria não entende e acabamos ouvindo todo tipo de coisa. A maioria esquece que somos expostos o tempo inteiro e todos precisamos ter os devidos cuidados para não propagar a doença. Tentamos o tempo todo minimizar os riscos e orientar os familiares”.
Para que os casos não terminem em violência física e até mesmo tragédia, Cibele Carvalho afirma que ter segurança é fundamental. No caso da UPA em Lagoa da Prata, por exemplo, a presidente do CRM disse que não havia vigilante.
A recomendação é ter um guarda civil em cada unidade de saúde durante o horário de expediente para coibir as ocorrências. “Também é interessante ter um porteiro, uma pessoa que tenha condições de dar um certo respeito na porta. Mas não ter alguém na unidade para esse tipo de função é muito grave, como aconteceu em Lagoa da Prata”, frisa Cibele Carvalho.
“Além disso, ter uma estrutura de acolhimento, um serviço social para conversar e orientar os pacientes é fundamental para que não se chegue às vias de fato”, complementa o diretor Cristiano Túlio, do Sinmed.
No caso do Hospital João Paulo II, a assessoria da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig) informou que profissionais ajudam na orientação das mães que procuram atendimento na unidade.
SAIBA MAIS
A médica agredida na última sexta-feira em Lagoa da Prata, na região Centro-Oeste de Minas Gerais, formou-se em 2018 e deixou a residência em pediatria para atuar contra a pandemia de Covid-19, informou o diretor de Mobilização do Sinmed, Cristiano Túlio Maciel Albuquerque. “Ela viu a oportunidade de atuar e a necessidade de mais profissionais na linha de frente”.
Ainda segundo o representante da entidade, a confusão teria começado porque o casal adentrou a UPA sem se identificar. “Eles se recusaram a fazer o prontuário. Quando foram advertidos por uma funcionária da enfermagem, a médica tentou intervir para saber o que ocorria e foi atacada”, contou o representante do sindicato.
Procurada pela reportagem, a Prefeitura de Lagoa da Prata não se posicionou até o fechamento desta edição.
