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Quinta-Feira,18 de Setembro

Sem-terra são recebidos à bala em estrada de Janaúba

Jornal O Norte
Publicado em 27/02/2007 às 15:26.Atualizado em 15/11/2021 às 07:58.

Polícia já tinha conhecimento


de que ocorreria conflito nas


fazendas Saraiva e Angicos



Oliveira Júnior


Correspondente



JANAÚBA – Dois integrantes do MST – Movimentos dos trabalhadores rurais sem-terra – ficaram feridos em conflito com seguranças de duas fazendas na zona rural de Janaúba. Cerca de 100 famílias de sem-terra foram surpreendidas numa estrada por disparos de armas. O conflito, segundo a polícia militar, foi por volta das 4 horas da madrugada de ontem, segunda-feira. Minutos antes a polícia tinha recebido informação da possível ocupação das terras.



O fato aconteceu entre as fazendas Saraiva e Angicos, do espólio de Belarmino Mendes, de família de influência política nessa cidade. De acordo com um dos sem-terra, os integrantes do MST deslocavam para o local em motocicleta e automóveis. Os primeiros a chegarem ao local foram os que estavam em moto.



- Passei com a moto e em seguida ouvi disparos. Colegas caíam no chão. Um dos tiros passou perto da minha cabeça. O Cirilo (que está hospitalizado) vinha atrás e foi atingido. Foi um terror – declarou esse sem-terra que preferiu não revelar o nome. Segundo ele, os sem-terra estavam na estrada e distante da entrada da sede de uma das fazendas. Para esse sem-terra, as fazendas que iriam ocupar serão terras devolutas.



DOIS FERIDOS



Ao ouvir o barulho, os sem-terra que estavam em grupo atrás recuaram. Os que estavam na chamada linha de fogo retornaram. O motorista de caminhão Cirilo Silveira Costa, 49 anos, ficou estendido no chão com ferimento no ombro direito. Cirilo estava numa motocicleta. Ele gritou para os colegas se cuidarem.



O lavrador Jair Rodrigues Santos, 35 anos, também ficou para trás com ferimento na perna. Eles teriam sido recebidos por cerca de dez funcionários da fazenda, que estavam armados, de acordo com a Polícia Militar.



A PM já reforçou a segurança na área de conflito. Segundo a CPT – Comissão Pastoral da Terra – a propriedade foi declarada improdutiva há quatro anos pelo Incra – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Representantes da CPT, do MST e do Incra estão na região.



Conforme a PM, os sem-terra não possuíam arma de fogo. O Incra afirma que, em casos de invasões, cabe ao proprietário entrar com pedido de reintegração de posse para, então, haver a mediação do órgão.



DUAS PRISÕES



No deslocamento de equipes da PM para o local – 6 veículos com cerca de 30 policiais – houve a prisão de duas pessoas. Francisco Elói da Silva, o “Vicente”, e Ediraldo Souza Mendes foram presos. Eles deslocavam pela estrada de acesso às fazendas do conflito. Francisco e Ediraldo estavam num veículo Focus – de propriedade de uma pessoa das famílias herdeiras das fazendas – e no interior do carro foi encontrado um revólver calibre 38 com cinco cartuchos intactos.



Representados por três advogados – um é membro de família herdeira da área de conflito – Francisco e Ediraldo foram ouvidos na tarde de ontem pela Delegada da Comarca, Márcia Meira. Diante da falta de reconhecimento por parte das vítimas (os dois feridos) e também dos sem-terras que figuraram como testemunhas, os dois presos foram qualificados por porte de arma.



Francisco Elói seria liberado na noite de ontem diante da atitude de Ediraldo – de família herdeira das propriedades – de assumir a posse da arma. Os advogados solicitaram ontem o pedido de liberdade provisória de Ediraldo.



FERIDO, SEM-TERRA DIZ QUE TEM MEDO DE VOLTAR AO LOCAL



Com um ferimento na perna direita em decorrência de disparo de arma de fogo, o lavrador Jair Rodrigues Santos, 35 anos, está temeroso quanto a um possível retorno à comunidade onde foi baleado na madrugada de ontem, segunda-feira. Jair Rodrigues seguia numa motocicleta no intuito de obter um “pedaço” de terra.



Deitado numa maca no corredor do Hospital Regional de Janaúba, o lavrador aguardava na manhã pelo atendimento médico. – Estava na motocicleta e ouviu três disparos. Um acerto o pneu e outro o banco da moto. O terceiro tiro atingiu a minha perna e eu cai – declarou Jair Rodrigues que é da Colonização III, em Nova Porteirinha, e citou que ainda estava na estrada.






Jair Rodrigues Santos, sem-terra: baleado e com


medo de voltar à fazenda
(fotos: Oliveira Júnior)



– Estou com medo. No primeiro dia que fomos já foi assim – disse o lavrador que tinha intenção em “tocar” a lavoura na roça. Pai de três filhos, o lavrador declarou, ao lado da esposa, que pretendia melhorar a vida. Ele era, até então, trabalhador mensalista.



Dois sem-terra foram feridos a bala hoje na tentativa de invasão de uma fazenda em Janaúba, no Norte de Minas. O crime foi na Fazenda Angicos e os feridos foram levados para o hospital de Janaúba. A polícia ainda não prendeu os autores das tentativas de homicídio



GENTE NA CERCA



O caminhoneiro Cirilo Silveira Costa, 49 anos, que foi baleado no ombro direito, foi submetido a uma cirurgia no pulmão. – Só via o desespero. Era gente se esbarrando na cerca – diz Cirilo Silveira, em fala com dificuldade após a cirurgia. Internado na Enfermaria do Hospital Regional de Janaúba, o caminhoneiro diz que gritou para algumas pessoas para tomar cuidado, pois ele estava ferido.



Cirilo foi atingido no ombro. De acordo com o Cirurgião Geral Carlos Mota – que teve atuação em plantões em hospitais do Rio de Janeiro – o paciente passa bem e deve ficar entre dois a três dias em observação.  O paciente foi submetido a um dreno no tórax.



MST DIZ QUE OCUPAÇÃO SERIA PARA PRESSIONAR O INCRA



– A tentativa de ocupação de duas fazendas e que resultou em conflito com duas pessoas feridas, na madrugada dessa segunda-feira, neste município, seria uma forma de pressionar o Incra – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – a vistoriar e desapropriar as áreas. Essa foi a justificativa relatada pelo MST – Movimento dos Sem Terra – no início da noite de ontem.



De acordo com Cristiano Meirelles, coordenador do MST em Minas, as duas fazendas são improdutivas e o conflito demonstra a violência do latifundiário. – É mais uma vez culpa dos órgãos públicos diante da burocratização que deixa famílias desamparadas por 5 a 6 anos – queixou o coordenador.






Cristiano Meirelles, coordenador estadual do MST:


pressão para vistoria e desapropriação



Cristiano Meirelles veio a esta cidade para prestar solidariedade e assistência aos sem-terra, principalmente às duas vítimas (Cirilo Silveira Costa e Jair Rodrigues Santos). O coordenador esteve na Delegacia da Comarca onde acompanhou o depoimento de alguns sem-terra que, respaldos por advogado, figuraram como testemunha dos fatos.



Para o coordenado estadual do MST, a justiça tem sido lenta no que se refere à questão agrária. No caso de Janaúba, explica Meirelles, o movimento tinha 100 famílias que iriam acampar nos arredores das fazendas, que totalizam cerca de 7 mil hectares. – A intenção era pressionar os órgãos públicos para que o Incra realizasse a vistoria e desapropriação das áreas – disse o coordenador.



Cristiano disse ainda que fará uma investigação no movimento para averiguar o possível vazamento de informação da ocupação, pois as famílias foram recebidas à bala numa tocaia. Segundo ele, atualmente existem 15 acampamentos no Norte de Minas em situação tranqüila e parte dos ocupantes deverão ser assentados em breve.

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