Impressões e digressões de verão no Sertão de Minas

Jornal O Norte
Publicado em 17/01/2007 às 12:56.Atualizado em 15/11/2021 às 07:55.

Délio Pinheiro


Jornalista e radialista



01- Depois de não ficar milionário com a o segundo maior prêmio da Mega Sena de todos os tempos eis me aqui, escrevendo para manter o fauno em seu labirinto. E o mês de janeiro já apareceu trazendo consigo os bons augúrios do ano de 2007. Ano esse que termina com 007, ou seja, tem permissão pra matar. Aliás, o novo filme do agente secreto inglês consegue soar estranho e ser desprovido do charme, e por que não da canastrice, que tanto caracteriza nosso James Bond. Mas o filme foi lançado no ano passado, ou seja, não nos diz mais respeito. Então tratemos de analisar com algum senso crítico os acontecimentos que inauguraram esse ano que, a partir de 18 de fevereiro, segundo o horóscopo Chinês, será o ano do porco. Sim, ano do porco meus amigos. Com vocês 2007, ano em que esperamos que os porcos não chafurdem ainda mais na lama de nossa política, já que a posse de grande parte deles será também em fevereiro.


 


02- “Contra burguês, baixe MP3”, esse deve continuar sendo o axioma preferido do ano. Nunca o acesso a música de qualidade esteve tão facilitado como nestes anos de silício em que vivemos. Basta uns quinze minutos na rede em endereços como o www.opus666.com, para se conseguir quitutes sonoros dos mais relevantes e saborosos. Só não vale ser preguiçoso e baixar as coletâneas caça-níqueis da Som Livre e nem aquele do Latino. No mais é só se divertir com a tremenda saia justa que a Internet fez com as grandes majors, disponibilizando os esmerados CDs poucas horas depois que eles chegam às lojas ou, em alguns casos, até antes. É importante salientar, no entanto, que não sou favorável à pirataria, ainda mais porque não gostaria de ver um livro meu sendo vendido numa lojinha de xerox na véspera de algum vestibular por aí, mas o preço praticado pelas gravadoras e grandes estúdios de Hollywood chega a ser extorsivo. Ou alguém concorda que um DVD original possa custar 60 reais num país onde o salário mínimo é de 350 mangos? Comprando seis desses DVDs, ao trabalhador brasileiro só restaria pegar uns dois quilos de arroz, um pacote de farinha, e um saquinho de milho de pipoca, fiados, e assistir seus filmões na casa do sogro, já que sua luz, e sua água, e tudo mais estaria cortado. Talvez para sempre.



03- O trabalho do jornalista voltou a ser bastante discutido nos últimos dias de 2006 e, nesse caso, o ano passado nos diz respeito sim, pois os grosseiros erros de julgamento de um delegado em Taubaté jogaram toda a opinião pública contra uma mãe que, supostamente, teria dado cocaína para seu bebê. Depois de ser espancada, inclusive pela mídia barulhenta de seres desnecessários como os Datenas e Resendes da telinha, descobriu-se que tudo tinha sido um grande erro. Um descomunal e inaceitável erro. Logo de imediato, numa associação rápida de idéias, veio à baila o caso Escola Base. Depois do linchamento moral, e até físico, a que foram expostos os proprietários dessa escolinha infantil, acreditava-se que erros como esse não mais se repetiriam. Mas eles surgem todos os dias, em maior ou menor escala. Como não se lembrar da casa de classe média em São Paulo, invadida por um assassino que matou os pais e só não matou o filho por que ele lutou bravamente por sua vida, e a avó, porque a esperta senhora trancou-se no banheiro? Depois do acontecido, era visível a excitação da Globo em descobrir um novo caso Richtofen e imputar na marra a culpabilidade no filho que se negara a abrir a porta de sua casa com a chegada da polícia. A ele não foi dado sequer o benefício da dúvida. A polícia e a mídia já se apressaram em mostrá-lo como um monstro. É bastante oportuna a pergunta: depois de ver um bandido trucidar seus pais bem na sua frente, você abriria a porta de sua casa de maneira serena e convidaria os policiais, armados de cassetetes, pistolas e gritos de mãos ao alto, para um cafezinho, como se nada tivesse acontecido? Eu prefiro me solidarizar com esse filho, que não enxergou razões suficientes para se confiar na chegada da polícia, a mesma que, indiretamente, permitiu que o assassino transpusesse os muros de sua confortável casa e desse cabo da vida de seus pais e o lançasse no olho do furacão, ou melhor, no olho agourento do mau jornalismo.



04- Uma entrevista num dos últimos programas do Jô no ano passado, lançou mais luzes no já citado caso da Escola Base. O jornalista Valmir Salaro, em um momento raro de auto-análise, reconheceu os erros e os excessos da cobertura do caso. Coube a esse jornalista acompanhar o caso para a Globo e foi ele também o primeiro a afirmar, baseando-se nas investigações policiais, que crianças eram abusadas sexualmente no tal educandário. Era visível o constrangimento do jornalista diante do pedante apresentador. Só faltou ajoelhar no milho e a palmatória para o mea-culpa ficar perfeito.



05- Já que o assunto tomou os rumos do jornalismo, gostaria de dar o meu pitaco sobre o formato dos telejornais. Não entendo, sinceramente, porque os jornais da TV obedecem tanto à questão do tempo. Sou partidário de que um jornal de TV tenha o tempo maleável, de acordo com os acontecimentos importantes de um determinado dia. Isso nos pouparia das matérias de gaveta e da encheção de lingüiça de alguns jornais em dias onde não acontece quase nada no Brasil e no mundo. Em dias assim, a meu ver, o jornal poderia ter enxutos quinze minutos. Mas em dias quando algum fato importante, ou polêmico, ou arrasador, nos tira da posição de meros espectadores e nos leva a questionar o nosso papel nesse mundo, quando aviões se chocam com as torres gêmeas ou quando Saddam é enforcado, por exemplo, o jornal poderia ter uma hora ou mais de duração, conforme as circunstâncias. Isso me levaria a ter esperança de que um dia a novela das oito e o maldito BBB não entrariam no ar graças a uma cobertura especial do jornalismo da TV. Mas acho que uma notícia assim, que mobilizasse tanto a mídia, seria algo em torno do fim do mundo, da volta de Jesus em nuvens de mil megatons ou do derretimento completo da última geleira e aí não teríamos mais porque comemorar o fim das inutilidades televisivas. Teríamos mais com que nos preocupar.



06- Eu não entendo o hype em torno do jornalista Geneton Moraes Neto, alçado à condição de entrevistador número 1 do Fantástico. Acho-o pretensioso e limitado. A entrevista com o grande Ariano Suassuna no último domingo mostrou bem isso. Inquirido sobre o que exemplificava a decadência cultural no mundo, o imperador da Pedra do Reino disparou que Madonna e Michael Jackson representavam bem o vazio cultural neste milênio. Faltou ao Geneton pedir ao Suassuna que desse nome aos bois também no Brasil. Tenho certeza de que o escritor não nos privaria da verdade. Sua resposta, possivelmente, não escaparia da tríade: novela, BBB e funk, três assuntos intrinsecamente ligados à própria Globo. 



07- Um das pessoas mais interessantes que conheci nos últimos tempos foi o produtor de cachaça de Salinas, Antônio Rodrigues. Mesmo a despeito de sua simplicidade, ele costuma fazer concorridas palestras para empresários em Minas Gerais. Eu tive o prazer de ver uma dessas palestras. Trata-se de um acontecimento e tanto, já que o visual do palestrante remete a outro Antônio, o Conselheiro. Barba longa, cabelos desgrenhados, roupas brancas, calça com suspensório, mente arguta e muitos causos compõem o visual, e a palestra, deste vitorioso empresário, que é o maior produtor de pinga do Brasil. Boazinha, Seleta e Saliboa são algumas de suas marcas. Uma boa frase do guru: “No mundo dos negócios eu ganho e meus sócios também ganham. Ou seja, eu ganho e eles re-ganham”. Não é ótimo? Ah, vou dar uma dica: quando você for assistir a uma palestra do homem não se esqueça de levar uma nota de 100 reais na carteira. Vai por mim, você não irá se arrepender.



08- Um grande acontecimento desse mês de janeiro no norte das Minas foi o 1° Festival de Cinema de Montes Claros, com suas oficinas, palestras e exibições públicas dos melhores filmes da chamada retomada de nossa sétima arte, como “Árido movie”, “O ano em que meus pais saíram de férias” e “Amarelo manga”. Um evento que já nasceu robusto e precisa ser mantido daqui pra frente. O mais interessante é que entre o anúncio do festival e sua realização levou-se pouquíssimo tempo. Tudo muito organizado, verdadeira prova de competência dos organizadores, em especial de Rita Bichara, da Fundação Genival Tourinho e do professor Eupídio Rocha, uma verdadeira enciclopédia ambulante do cinema.



09- Dia desses eu estava olhando alguns livros numa loja do shopping de Montes Claros e ouvi, de esguelha, uma conversa entre a vendedora e um amigo, ou cliente. Ou possivelmente os dois. Bem, ele desfiou uma série de mantras que teriam o poder de abrir as portas no ano de 2007. Alguns engraçados e outros verdadeiros trava-línguas que teriam o poder de atrair dinheiro, felicidade, amor e outras carências eternas do ser humano, tudo feito por um “competente mestre” que, infelizmente, não consegui guardar o nome. Mas o último mantra que o cliente esotérico falou eu guardei bem. Ele preparou antes a vendedora dizendo que a frase era boba, sem muito sentido, mas que era poderosíssima para conseguir objetivos. Nessa hora eu apurei os sentidos para captar a tal sentença que me abriria as portas dos melhores empregos em Montes Claros. A frase é “Vem malandro”. Isso mesmo. Segundo o cara é só repetir isso ao mesmo tempo em que você mentaliza o seu objetivo. Vale, por exemplo, olhar para um número de telefone e usar as energias misteriosas da frase para fazer aquela pessoa te ligar. Não é incrível? Até agora eu não usei o mantra. Só estou esperando a próxima Mega Sena acumular bem acumulada. Com tanto mantra por aí o nosso tinha que ser justamente o “vem malandro” é bem típico né?



10- Um assunto que eu costumo evitar em minhas crônicas e em meu dia-a-dia é religião. Eis um assunto em que ninguém concorda com ninguém e que é o estopim para a maior parte das guerras no mundo. Mas quando um casal de “religiosos” entra nos Estados Unidos com dinheiro “não contabilizado” dentro da Bíblia alguma coisa está terrivelmente errada. Até vale mudar o mantra lá de cima para: “Sumam malandros”.



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