
No mês dedicado ao enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher, as falas de um juiz no Ceará reacenderam um alerta em relação ao machismo na sociedade. Durante uma audiência de um caso de abuso sexual sofrido por dez mulheres, o juiz disse frases como mulher é “bicho da língua grande” e que “chuta as partes baixas”.
“A sociedade brasileira é machista”, diz a psicóloga Renata Barbosa. “Muitas mulheres quando vão denunciar são diminuídas, são desvalidadas. Não são acolhidas. Pelo contrário, são julgadas”. O que segundo a psicóloga leva a mulher, muitas vezes, a não recorrer ao que tem direito.
Para ela, a violência contra a mulher sempre teve um índice muito alto, principalmente em países como o Brasil que é patriarcal. Em Montes Claros, a Polícia Civil informou que os casos de estupro de vulnerável, ocorridos entre 1º de janeiro de 2022 a junho de 2023, totalizaram 425 ocorrências. Já a violência doméstica aumentou 15% de janeiro a junho deste ano, chegando a 2.183 casos denunciados.
Dados da Rede Observatórios da Segurança apontam que a cada quatro horas uma mulher é vítima de violência no Brasil. Em 2022, foram mais de 2.400 casos registrados, sendo quase 500 feminicídios, ou seja, a cada dia uma mulher foi uma vítima no país.
De acordo com a psicóloga, a crença de que somente mulheres com dificuldades econômicas e sociais enfrentam problemas com relacionamentos abusivos é falsa. “Pois, mulheres bem-estruturadas social e economicamente, podem vir de famílias desajustadas ou ter tido um pai ausente, levando-a para os braços de um agressor”, explica.
Segundo a psicóloga, a agressão não é imediata. Existe um contraponto, uma vez que o agressor não chega batendo. “Se fosse assim, todas sairiam correndo”. O padrão, de acordo com ela, “é uma mini agressão, tipo olhando o celular, não querendo que ela saia com tal amiga, fazendo alusão a como ela se veste”, pondera.
“Normalmente eles dizem que você não vai encontrar ninguém melhor que ele, que ele fez isso, porque foi ela que o levou a fazer isso, a culpa é dela, que ele vai mudar, que isso não vai acontecer mais”. Devido à regra que os agressores seguem, Renata diz que “a mulher não percebe o crescimento dessas agressões e vai se acostumando com os maus tratos e acaba ficando mais do que deveria”, alerta a profissional.
EMPODERAMENTO E ENFRENTAMENTO
Para a delegada titular da delegacia de Mulher de Montes Claros, Karine Maia, com 21 anos de carreira, é importante destacar o antes e depois da Lei Maria da Penha, que fez 17 anos neste mês de agosto. Para ela, a campanha não deve ser denuncie, mas sim, fortaleça. Pois, segundo Karine, “hoje em dia, a mulher denuncia muito mais, mas a violência continua”. E muitas vezes a vítima volta com o agressor — “As mulheres precisam entender que existe um limite para ser doce e compreensível. E isso precisa ser entendido através do fortalecimento das mulheres”, ressalta.
Para que aconteça este fortalecimento, a delegada acredita no fortalecimento econômico feminino, além da ajuda de profissionais, como psicólogos ou psiquiatras. E para quem não tem, o Estado deve ir até elas. “Não podemos ficar neste discurso paralisadas como coitadas. O que precisamos falar para as mulheres é que eu entendo a sua dor, mas não posso aceitar que você pare nisto e fique se lamentando por isso. Precisamos empurrar as mulheres para frente”, acredita.
“Não podemos ficar presas no porquê uma mulher está sofrendo na mão de um agressor, a gente sabe os motivos. Algumas, porque viveram em lares violentos, outras por questões culturais de família, enfim, nós precisamos romper com essa ancestralidade que nos prejudica e devemos passar a assumir o protagonismo da nossa vida”, explica a delegada.
Pensando assim, para ela, a solução para a violência contra a mulher só será possível tratando o interior das pessoas — “tanto dos homens que batem por serem inseguros, quanto das mulheres que apanham porque são inseguras. Isso é melhor que ficar sempre trabalhando com a repressão”, conclui.