Caravana distribui livros na feira livre de Pirapora. Escritor Laé de Souza, idealizador do projeto, garante que o brasileiro gosta de ler, basta promover o incentivo
Tiago Severino
Correspondente
PIRAPORA - O escritor Laé de Souza é contra a máxima “brasileiro não gosta de ler”. Autor de cinco livros de crônicas, defende que faltam oportunidades e formas de incentivo para estimular a leitura. Ele acredita ser possível fazer do Brasil um país de leitores. É com esta esperança, que sempre nos meses de abril e outubro viaja diversas cidades distribuindo livros, gratuitamente. É o projeto Caravana da leitura.
(foto: Tiago Severino)
No último domingo, véspera do Dia mundial do livro, Laé esteve em Pirapora. Percorreu 900 km da cidade de São Paulo até o município do Norte de Minas, para distribuir à população 1.500 exemplares de “Nos Bastidores do Cotidiano”, sua quarta publicação. Logo na primeira página ele define: “Ler não é só obrigação. É também prazer e entretenimento”. É esta a visão que considera mais adequada ao modelo pedagógico.
Laé garante que todos têm interesse em passear pelas páginas mágicas de uma história, mas, devido a um método de ensino que oprime, ao invés, de estimular, o gosto pelos livros, são perdidos mais e mais leitores.
“Com a Caravana da leitura nós revertemos este quadro. Como minhas crônicas são textos simples que falam das coisas do dia-a-dia, o interesse das pessoas começa a ser despertado”, comenta o escritor. Ele diz que a escolha da primeira obra a ser lida, principalmente, por jovens, é o fator determinante se vai haver ojeriza ou paixão pela literatura.
Laé nasceu em Salvador (BA), mas, mora em São Paulo, onde iniciou projetos relacionados à leitura. Foi a partir de outras iniciativas, como Dose de Leitura, que coloca crônicas à disposição de pacientes e acompanhantes em hospitais, e Encontro com Escritor, onde visita escolas para palestrar sobre a importância dos livros, que surgiu o projeto Caravana da leitura.
RESPONSABILIDADE DE PAIS E PROFESSORES
Em todas as oportunidades de falar ao público, Laé cobra dos pais e professores a responsabilidade em incentivar a paixão literária. A supervisora pedagógica Sônia Viana sabe desta obrigação. No colégio que trabalha em Pirapora, ela elaborou a Hora do conto. Um momento, nas quartas-feiras, em que os alunos vão à biblioteca para ler.
Sônia foi uma das milhares de pessoas que recebeu o livro de Laé. A distribuição, em Pirapora, aconteceu na feira livre de domingo. Um tradicional espaço para o comércio de frutas, verduras, legumes e carne. Foi nesse local, também, que o pescador Leonardo da Piedade Diniz Filho montou há um ano e meio o Clube da leitura.
Sem burocracia, o público pega livros emprestados. Basta assinar um caderno com o nome. Léo do Peixe, como é conhecido, garante que todos são devolvidos na semana seguinte. Foi por causa de uma reportagem publicada na Folha de São de Paulo, que Laé conheceu o trabalho de Léo. Eles se organizaram e conseguiram patrocinadores, para o escritor pode vir à cidade ribeirinha.
É a primeira vez que a Caravana da leitura foi feito fora de São Paulo. A entrega de “Nos Bastidores do Cotidiano” reuniu gente das mais variadas classes sociais e idade. Pessoas como o aposentado Francisco Pereira, de 70 anos. Ele levantou às 6h, pegou o vale-livro no Clube da leitura, fez as compras de casa e, depois, seguiu para a fila. Recebeu a obra de Laé autografada.
A feirante Gilda dos Santos Nascimento está na feira todos os domingos. Ao lado da mãe, vende mandioca, raízes e batata. Com 18 anos, ela concluiu o ensino médio no ano passado, mesmo assim, cultiva o hábito de ler. Freqüentadora assídua do Clube da leitura, leva de três a quatro livros por semana para casa. A preferência é o romance.
Dessa vez, Gilda abandonou a barraca por 15 minutos para buscar mais um livro para sua coleção. A crônica de Laé será o próximo mergulho da garota no universo da literatura.
SÁTIRA DO COTIDIANO
Laé explica que “Nos Bastidores do Cotidiano” é uma coletânea de textos que narra as relações humanas, dilemas de pessoas comuns. Tudo de maneira satírica e divertida. Esta é uma característica dele. Nada de livros complexos. Como afirma o escritor: “o importante é a simplicidade da narrativa, para possibilitar a todos o prazer de viajar nas histórias”.
Formado em direito e administração, Laé começou a se questionar porque o desinteresse das pessoas pela leitura. Ele abriu mão da biblioteca particular que tinha em casa e começou a emprestar a coleção aos amigos. Quando percebeu, já estava indo a escolas, feiras públicas e praças para distribuir os livros escritos por ele.
“O resultado é excelente e prova que o brasileiro lê, desde que, seja possível”, enfatiza Laé. O pescador Léo do Peixe, com o Clube da leitura, confirma esta afirmação. Com oito mil obras no acervo, a maioria proveniente de doações, tem uma média de 80 empréstimos por domingo.
O pescador piraporense e o escritor baiano chegaram a ser chamados de loucos no início dos projetos. Passaram por cima das críticas e arregaçaram as mangas, para dar vida ao sonho de levar cultura e saber ao povo.
Os dois entusiastas da democratização dos livros apontam os aspectos positivos em ter hábito de leitura: aumento da consciência política e social, articulação de idéias com mais clareza e maior condição de questionar a realidade.
CRIANÇAS SÃO AS PRINCIPAIS FREQÜENTADORAS DO CLUBE DA LEITURA
Cerca de 90% dos freqüentadores do Clube da Leitura são crianças, na faixa etária de 6 a 12 anos. O clube foi criado pelo pescador Leonardo da Piedade Diniz Filho e é a principal atração da feira dominical de Pirapora. Com um acervo de oito mil livros, Léo do Peixe, como é conhecido, construiu uma verdadeira biblioteca ambulante.
Ele separou parte da barraca que vendia peixes para colocar estantes. No início havia aproximadamente 100 obras de diversos autores. Mas, com as doações o número cresce a cada domingo. Em escala progressiva aumenta o público. No domingo, 22, foram 92 locações - 12 a mais que a média.
Um deles foi para John Hebert Malaquias de Souza. O garoto tem 10 anos e mora no Bairro Industrial em Pirapora. Fã de gibis de super-heróis estilo Homem-Aranha e Batman, John resolveu mudar. No primeiro empréstimo feito no Clube, levou para casa a trama western “Os conspiradores”.
KARAMAZOV E SABRINA
Revistas, livros, enciclopédias estão nas prateleiras da biblioteca de Léo. Não há divisão catalográfica. Ao lado de “Os irmãos Karamazov”, de Fiodor Dostoievski , está a série Sabrina, vendida em bancas de revista. Este último está na preferência das mulheres.
“Todos nós temos uma missão a cumprir. A minha já encontrei: formar apaixonados por livros”, afirma o pescador. Na quarta-feira, 25, ele estará no programa Salto para o Futuro da TV Escola, às 19h, para falar sobre programas de incentivo a leitura.
Ele adianta que vai defender a criação de projetos de educação em regiões com menor índice de desenvolvimento humano, como forma de gerar gosto pelos livros.
“O esclarecimento leva as pessoas a questionarem o modo de vida”, aponta o pescador. Para ele, dessa forma, as comunidades terão mais condições para agir em prol de um crescimento comum.
Na segunda-feira, 23, foi comemorado o Dia Mundial do Livro a data criada pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), visa atrair a atenção das autoridades governamentais e da população para a importância do hábito de ler.