Um ano de dor

Familiares e vítimas da tragédia na creche Gente Inocente convivem com sofrimento e descaso

Raul Mariano
Hoje em Dia - Belo Horizonte
05/10/2018 às 06:25.
Atualizado em 10/11/2021 às 02:48
 (DIONE AFONSO/ARQUIVO HOJE EM DIA)

(DIONE AFONSO/ARQUIVO HOJE EM DIA)

Um ano se passou desde o fatídico dia em que o vigia Damião Soares dos Santos decidiu atear fogo no próprio corpo, dentro da creche Gente Inocente, em Janaúba, no Norte de Minas. O ataque matou dez crianças, duas professoras e uma auxiliar, além do próprio autor do crime. Desde então, o espaço onde a tragédia aconteceu foi completamente reconstruído, mas a vida das famílias atingidas pelo atentado continua em escombros.

Mães que perderam os filhos tentam aprender a conviver com a dor e retomar a rotina com a ajuda de remédios para dormir e acompanhamento psicológico contínuo. Já aquelas cujas as crianças sobreviveram, lidam com o tratamento de doenças respiratórias ou alérgicas, que atingiram os pulmões ou a pele dos pequenos.

O episódio foi tão devastador que obrigou familiares de algumas vítimas a passarem por tratamentos psiquiátricos, tamanha a incapacidade de encarar o luto. A doméstica Fernanda Rodrigues, que perdeu o filho Luis Davi, de 4 anos, viu a mãe ser hospitalizada diante da notícia trágica.

“Ficou completamente alterada e até hoje não é possível entender bem o que ela fala”, relata a mulher, ainda com a voz trêmula. “O Luis dormia com ela todos os dias, por isso ela sentiu demais”.

Da mesma forma, Fernanda também afirma que não retomou as rédeas da própria vida, já que consome remédios contra a ansiedade diariamente e precisa acompanhar o outro filho, de 13 anos, que também não superou a perda do irmão.

“Tem dias que não consigo trabalhar e minha patroa já me libera sem questionar. Eu não consigo mais ver nada que seja de criança. Meu filho mais velho também piorou na escola e está tendo que ir ao psicólogo”, conta Fernanda.
 
CARÊNCIA
A falta de apoio por parte do poder público também é um problema enfrentado pelas famílias. Quem afirma é a diarista Flávia Nunes, mãe de Luciano Nunes, que sobreviveu ao atentado.

Ela garante que, assim como o filho, outras crianças que vivenciaram o ataque estão doentes, tendo como única fonte de apoio a Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia da Creche Municipal Gente Inocente de Janaúba (AVTJANA).

Mãe solteira, Flávia explica que faz faxina duas vezes por semana, mas não pode trabalhar em período integral porque não tem com quem deixar o menino. “Ele ainda tem sequelas, está sempre tossindo e ficou muito vulnerável após o incêndio”.

As dificuldades financeiras também não são poucas. Fora a ajuda de R$ 500 mensais – que foi paga durante um ano pela Prefeitura de Janaúba e termina neste mês –, Flávia conta apenas com benefício de R$ 400 do programa Bolsa Família.
 
RESQUÍCIOS
“Desde então, não houve melhoria nenhuma”. É esse o balanço feito por Elisângela Correa, mãe de Ycaro Rafael, sobre a situação das vítimas que sobreviveram ao incêndio na creche. Ela afirma que a insatisfação dos pais é generalizada, uma vez que a ajuda oferecida é insuficiente diante do custo de vida que subiu com o tratamento das crianças.

“A prefeitura não é culpada pelo que aconteceu, mas é responsável. Precisamos de mais auxílio financeiro. A vida já era difícil antes, mas agora é bem mais”, reclama. Ela relata que o filho, depois do contato com as chamas, se tornou alérgico ao calor e desenvolveu um tipo de síndrome que ainda está em investigação pelos médicos, mas está ligada ao pânico. “Se ele vê fogo, logo grita”.

Com a necessidade de tratamento especializado, eles sempre precisam ir a Montes Claros ou Belo Horizonte. Segundo ela, o deslocamento tem gerado custos cada vez maiores. “Sou uma cuidadora de idosos e meu marido é embalador. Essa ajuda de R$ 500 por mês é muito pouco, uma vergonha diante do que aconteceu”, critica.

O prefeito de Janaúba, Carlos Isaildon Mendes, afirma que todo apoio dado às famílias das crianças da creche Gente Inocente foi acertado com o Ministério Público (MPMG). “Sempre vai haver alguma insatisfação, principalmente porque muitas perderam os filhos, mas tudo que foi definido pelo MP nós cumprimos rigorosamente”, afirma.

O Ministério Público foi procurado pela reportagem, mas não se manifestou até o fechamento da edição.

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