Sistema anula oportunidades

Estrutura precária, superlotação e política equivocada não favorecem recuperação de presos

Christine Antonini
11/04/2019 às 07:28.
Atualizado em 05/09/2021 às 18:11

Pouca estrutura e superlotação. Esse é o cenário comum no sistema prisional brasileiros. O país é o quarto com a maior população carcerária do mundo em uma formatação, segundo os especialistas em segurança, que não contribui para a recuperação dos detentos. Em Minas, as 197 unidades prisionais abrigam mais de 74 mil detentos – 4.556 deles estão nas 17 estruturas existentes no Norte de Minas. E a comprovação de que o que sistema está falido, na avaliação de quem atua no judiciário e na área de segurança, é a de que 90% dos presos que conseguem a liberdade no Norte de Minas voltam a praticar crimes e retornam para as celas.

Para o presidente da Comissão de Assuntos Carcerários e Direito Penal da 11ª Subseção da OAB de Montes Claros, Bruno Freitas, a situação do sistema prisional como um todo é péssimo. “Estamos diante de uma bomba-relógio”, afirma Freitas, que destaca o índice de 90% de reincidência, devido à falta de oportunidade para os egressos do sistema prisional.

“A pena na teoria, tem como objetivo o castigo, a ressocialização e evitar que o indivíduo pratique novos crimes. Mas, infelizmente, a única finalidade que hoje se alcança é o castigo. Os presos são tratados como bichos engaiolados, falta muita coisa, eles não têm atendimentos mínimos dentro da unidade prisional que, na sua grande maioria, não tem médico, dentista, quando muito enfermeiros”, ressalta o presidente da Comissão da OAB.

Assim como Freitas, profissionais que atuam no sistema judiciário e prisional pontuam a necessidade de investimentos nas estruturas físicas e no aumento no número de profissionais, além do desafogamento do Poder Judiciário.

“Os presídios de Montes Claros, embora nas mãos de bons gestores, enfrentam dificuldades operacionais em razão das condições precárias estruturais, ou seja, necessitam de manutenções prediais, de toda ordem, reforma das instalações elétricas, hidrossanitárias, pintura, além do mais grave, enfrentando o problema generalizado em todo sistema prisional brasileiro, a superlotação carcerária”, pontua o presidente do Conselho da Comunidade na Execução Penal, Dilson Antônio Marques.
 
PRECARIEDADE
Ainda de acordo com Dilson Antônio, o Presídio Regional Jaraguá de Montes Claros possui boa instalação, mas não há espaço para mulheres. Para os homens, somente presos provisórios e/ou em regime fechado. Não há local apropriado para oficina de trabalho e culto religioso, por exemplo. Também falta um espaço adequado para presos com doenças infectocontagiosas.

“A prática religiosa se dá junto às celas, nos corredores ou pátio diretamente nos pavilhões. Lá (Jaraguá) possui circuito fechado de televisão para fazer o monitoramento eletrônico, porém, o prédio anexo, construído após a instalação do sistema, ainda não dispõe desse serviço”, aponta.

Já o presídio Alvorada, além dos problemas apresentados no Jaraguá, possui estrutura antiga e os detentos são misturados: regime semiaberto e albergados.

Não há raio-X (body scanner), presente apenas no Jaraguá. O Alvorada é o único presídio da cidade que recebe mulheres, mas não tem berçário para as detentas que dão à luz enquanto estão presas.

“Faltam veículos, estrutura de pessoal e técnicos para atendimento, como dentista, psicólogo, advogados, assistentes sociais. O quadro de profissionais atualmente está aquém da demanda, agravado ainda mais em razão da superpopulação carcerária”, ressalta Dilson Marques.

Isso para falar apenas das unidades que ficam em Montes Claros – são 17 em toda a região.
 
SEGURANÇA
Recentemente, no Norte de Minas, dois detentos conseguiram fugir – um do presídio de Manga e outro do Jaraguá, em Montes Claros. Também houve 42 tentativas de fuga em Janaúba – os detentos abriram um buraco, em uma das celas, que dava acesso a outro imóvel, mas foram descobertos pelos agentes.

“Hoje temos agentes penitenciários para atender uma demanda de mil encarcerados”, afirma Alexandre Figueiredo Cavalcante, agente penitenciário há 15 anos e diretor de comunicação do Sindicato dos Agentes Penitenciários de Minas/Norte (Sindasp-MG/NORTE).
 
MELHORIAS
Uma das medidas apresentadas pelo general Mario Lúcio de Araujo, secretário de Estado de Segurança Pública, durante reunião realizada pela Seap na região, é o permanente diálogo com o Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública e os demais atores desta estrutura.

Foi citada a possibilidade de ampliação de penas alternativas, com o uso de tornozeleiras eletrônicas. Também foi apontada a criação de mais Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apacs) para desafogar o sistema.

Apoio a adolescente infrator
O Centro Socioeducativo de Pirapora (CSEP) recebeu R$ 40 mil doados pela Justiça do Trabalho local para a construção de uma quadra poliesportiva e de três salas de aula. Por semestre, o local recebe cerca de 60 menores infratores, com idades entre 12 e 21 anos, que cumprem medidas socioeducativas de internação.

A partir da decisão do juiz Marcelo Palma de Brito, da Vara do Trabalho de Pirapora, os recursos foram disponibilizados. O magistrado explica que tomou conhecimento das dificuldades financeiras enfrentadas pelos abrigos. As verbas recebidas pelo poder público são suficientes apenas para custear despesas com pessoal e outras básicas.

Os R$ 40 mil são oriundos de processos em que a Justiça do Trabalho deu ganho de causa a ações civis públicas ajuizadas pelo Ministério Público do Trabalho para apurar e reparar lesões trabalhistas difusas e coletivas.

A ideia é destinar as indenizações por danos morais coletivos para obras públicas e devidamente fiscalizadas pelo Judiciário.

“Em vez de se destinar a tão longínquo fundo de amparo, por que não destinar em benefício da própria comunidade lesada, que tanto sofre com o descumprimento da legislação e, também, precisa dar uma chance de ressocialização e recuperação a seus menores infratores?”, observa o juiz.
 
ACOLHIMENTO
O CSEP foi fundado em 2006 e acolhe adolescentes que cometeram ato infracional mediante grave ameaça. São meninos de todo o Estado, mais precisamente da Região Integrada de Segurança Pública de Curvelo (Risp) e, prioritariamente, da Comarca de Pirapora, que abrange ainda os municípios de Buritizeiro e Jequitaí.

“Há um perfil comum à maioria desses adolescentes: normalmente, eles vêm de famílias desestruturadas e de baixa renda, apresentam defasagem escolar, estão envolvidos com o uso e o tráfico de drogas e cometeram, principalmente, infrações contra o patrimônio público, como furto e roubo”, ressalta a diretora-geral do centro socioeducativo, Maria Márcia Ribeiro da Costa.

Reescrevendo o futuro na escola
Para tentar mudar a realidade que encontram no presídio e reescreverem o futuro, detentos colocam a mão na massa. O que era apenas a laje do Presídio de Bocaiuva tornou-se a escola da unidade prisional.

A obra foi executada por 30 presos, que atuaram nas funções de pedreiro, servente, bombeiro, eletricista, serralheiro e pintor. A laje foi feita sobre toda a unidade prisional e custou R$ 218mil, recurso que veio de verba pecuniária da 1ª Vara Criminal e de Execuções Criminais da Comarca da cidade.

São duas salas de aula e mais uma sala multiuso, dotada de duas estantes de livros. As aulas são ministradas em dois turnos, manhã e tarde, e tem 120 alunos matriculados, dos 190 internos da unidade prisional.

As aulas atendem os detentos na modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA), destinada àqueles que não deram continuidade aos estudos ou não tiveram acesso ao ensino na idade apropriada.

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